TEXTO: JORNAL O TRABALHO (1908)
As juntas de alistamento para o sorteio militar¹ começarão a funccionar no dia 15 deste mez. A impressão que nos deixou a lei sobre o serviço militar obrigatorio, com quanto sejamos muito avesso a’ farda, foi a melhor possivel, porque arranca á nossa nacionalidade o eterno pavor com que as ambiciosas potencias nos desejam ver incorporados ás suas bandeiras, desejo tão insaciável quanto conhecidas lhe são as nossas riquezas guardadas carinhosamente pelo nosso vasto territorio. Assim nos apparelhando para a lucta em defeza dos nossos direitos, oppondo ao direito da força, no grande concerto das nações civilisadas tão alto fallarão os nossos canhões como os que mais possam ecoar no valor da lucta.
O serviço militar obrigatorio vem prehencher uma lacuna visível e se attendessemos a extensão do nosso territorio e a das costas indefezas, por certo, se os nossos homem publicos fossem mais previdentes, mais patriotas e menos politiqueiros, as condições do paiz seriam bem diversas no espaço de tempo que vem de 89 para 908.
A felicidade não nos faltou e, louvado Deus, as ameaças que nos sobressaltaram nesses 19 anos de Republica, não passaram disso e ainda em tempo nós iniciamos uma nova era que porá ao abrigo das tentativas que seriam desastradas para nós, que, só agora, começamos a comprehender o velho ditado: Si vispacem para bellum².
Em começo não foi sem grande repugnancia que se acceitou a lei do serviço militar obrigatorio, porem desvanece-se esse preconceito de que a farda seja o abrigo do vagabundo para se tornar o maior galardão de todo o brasileiro que dará a sua ultima gotta de sangue pela integridade de sua nacionalidade.
A licção dos factos ahi estão patentes e não vae longe o tempo em que os nossos feitos contra os paraguayos marcaram o registro mais brilhante para a nossa nação, porem a custo de muitas victimas, feitos bravos soldados da noite para o dia. Conhecessemos naquelle tempo os misteres ao soldado e poucas seriam as victimas, o inexcedivel valor dos nossos patricios enfraquecia deante do nenhum conhecimento militar. E’ com a maior satisfação que acceitamos o serviço militar obrigatorio, que, em parte, servirá até para uma distração e um adiantamento moral e intellectual para os nossos coevos.
Ao Presidente da Camara cabe papel preponderante no alistamento para o sorteio militar, tanto assim que resa o art. 93 do reg. para o alistamento e sorteio militar, approvado pelo decreto n. 6947 de 8 de maio deste anno: “As juntas de alistamento serão compostas por dous officiaes de 1.ª linha, do exercito de 2.ª linha ou honorarios, nomeados pelo inspector permanente da região, e do chefe do poder executivo municipal. Estas juntas escolherão seu presidente e secretario entre os respectivos membros”.
Eia mocidade e brasileiros, corramos pressurosos para os nossos postos de honra e amanhan quando a Patria exigir o nosso sangue em sua defeza, seremos invictos soldados que, cobertos de louros, cantarão o hymno da victoria.
* 1: A Lei do Sorteio Militar foi aprovada em 04 de janeiro de 1908. Os seus defensores diziam que na época os soldados do exército brasileiro eram, em sua maioria, ex-trabalhadores braçais de baixas condições. Com a adoção do sorteio militar, todas as classes sociais passariam a ser recrutadas O deputado Alcindo Guanabara, um dos defensores, citou: “o novo Exército não será uma prisão, um lugar de torturas, não será uma sucursal do Inferno dantesco”. No entanto, ela não seria posta em prática devido às várias manifestações contrárias. Leia “Dr. Euphrasio José Rodrigues se Rebela Contra a Lei do Sorteio Militar no Sertão”.
* 2: Se quer paz, prepare-se para a guerra. A frase é atribuída ao autor romano do quarto ou quinto século, Flávio Vegécio.
* Fonte: Texto publicado na edição de 13 de setembro de 1908 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.