GINÁSIO LAICO QUE NÃO VINGOU, O

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A idéia ultimamente em foco da fundação de um grande e completo estabelecimento de ensino secundário nesta cidade, levou-nos a procurar os srs. farmacêutico Cristiano Fonseca e professor Aguinaldo Magalhães, que se acham à frente da sua realização. Acolhidos gentilmente, expusemos em poucas palavras o nosso objetivo. O prof. Aguinaldo foi o primeiro a falar:

A idéia da criação de uma casa de ensino, nos moldes e das proporções já conhecidos, é velha. Nasceu em 1938 e deve-se ao nosso amigo Cristiano Fonseca que, nessa época, me interpelou a respeito dando as suas sugestões. Durante tôdo êste tempo decorrido, esteve à espera de uma boa oportunidade que agora se apresentou.

Já então, disse a esta altura o sr. Cristiano Fonseca, estudamos a orientação que devia ser dada, a qual tinha de se inspirar no princípio da liberdade de crença, que consideramos elemento importantíssimo no equilíbrio das sociedades civilizadas e único capaz de criar o ambiente em que é possível a necessária educação da tolerância. Temos notado que todo estabelecimento de ensino que adota uma religião oficial, cria para os alunos que não rezam pela mesma cartilha uma situação de constrangimento, porque, sabemos bem, nem todos tem a compreensão exata dos deveres indeclináveis de respeito pelas opiniões e crenças alheias. Verifica-se também que os homens livres não teem onde educar seus filhos e ministrar-lhes uma orientação fundada nos princípios que esposam.

E é precisamente para atender a esta necessidade que ideamos a fundação, acrescentou o Prof. Aguinaldo. E continuando: Pretendemos criar um ambiente educativo de respeito a todos os credos religiosos, de liberdade, de confiança e tolerância, onde haja lugar para todos, sem constrangimentos e sem quaisquer influências ou insinuações. Assim, por exemplo, se os alunos católicos desejarem receber instrução religiosa, esta lhes será administrada. Mas ninguém será obrigado à frequência. Nossa fundação pretende dar corpo ao espírito contido no dispositivo constitucional de 1937 que diz: “O ensino religioso poderá (note-se bem: poderá) ser contemplado como materia do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos”. Si se desse integral e inteligente cumprimento a êste sábio preceito, a liberdade de crença estaria assegurada nos estabelecimentos de ensino, sem os irritantes exclusivismos e constrangimentos e dentro de uma salutar atmosfera de respeito e tolerância.

Crença não se impõe nem se destrói: respeita-se, acrescentou o farmacêutico Cristiano Fonseca. Os bons intérpretes das doutrinas de paz, amor e perdão, pregadas por Cristo, não estimulam a restauração dos regimes da pole e da fogueira: ensinam a harmonia e procuram estabelecer a concórdia. Mas, os falsificadores dos imperecíveis ensinamentos do imortal doutrinador praticam o ódio, aconselham a perseguição, querem as lutas e só dão exemplos de intolerância.

Quanto a nós, disse o prof. Aguinaldo, não estamos nascendo com o desejo de combater outras instituições, mas com o fim de ensinar a respeitá-las. Cada qual adota e mantém a orientação que julga acertada. Para a vitória de uma idéia não é preciso que se entre em choque e lutas estéreis. Si ela é boa, será naturalmente aceita e vencerá. Ao contrário, si é má, também naturalmente vai sendo posta de lado e fracassa.

E depois de uma breve pausa: Nosso estabelecimento não será apenas um ginásio. O curso ginasial, que também pretendemos manter, será uma parte do plano já em execução. O estabelecimento, na sua totalidade, será constituido de várias unidades conjugadas: jardim da infância, curso ginasial, escola de comércio, escola agrícola, curso colegial e, mais tarde, um grupo de escolas profissionais. Não será possível fazer-se tudo de uma vez, mas êsse é o desdobramento futuro do plano já estudado.

Dos entendimentos preliminares que tivemos, disse o sr. Cristiano Fonseca, para o fim de coordenar os elementos de tôda esta região e mobilizar os recursos necessários, resultou que, logo após a fundação e instalação do nosso, cuidaremos da criação de um outro no Triângulo, provavelmente em Uberaba. Queremos estender a nossa fundação a todo o Estado de Minas, conservando a unidade de orientação e de propriedade. Trata-se, portanto, de uma grande obra, arriscamos.

Pelo menos no que está projetado, respondeu o prof. Aguinaldo. Podemos dizer-lhe que estamos dando os primeiros passos de uma jornada cujo fim não poder ser agora calculado ou antevisto. Aliás, seja dito, para encerrar, que o movimento não seria iniciado si não tivessemos garantias suficientes. Fica marcada para daqui a dez anos uma nova entrevista. Creio que teremos então mais alguma coisa para lhes dizer e, principalmente, muitos edificios erguidos para lhe mostrar.

Estava encerrado o “tête-à-tête”. Despedimo-nos agradecendo a gentileza com que fomos atendidos.

* Fonte: Texto publicado com o título “Um Grande Empreendimento” na edição de 29 de agosto de 1943 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto: Um parágrafo do texto original.

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