TEXTO: JORNAL O COMMERCIO (1911)
Em nosso passado artigo já fizemos ver á administração do Estado, que a Cadêa d’esta Cidade não tardaria muito á desabar, trazendo como consequencia de sua queda a morte provavel de muitos encarcerados, si, por parte sua, não fosse tomada uma medida segura, no intuito de evitar este estado de couzas, mandando fazer, para isso, um concerto urgente e solido, que, de uma vez para sempre, nos viesse tirar de cuidados fundados e de receios provaveis¹. Hoje, nos propomos a tratar de um outro melhoramento não menos importante, que já poderia estar definitivamente concluido, si o governo se dignasse a nos ler, uma vez por outra, quando expressamos simplesmente a verdade, ouzamos dirigir a nossa voz até á sumptuosidade dos palacios, onde se acham á frente dos negocios governamentaes, as grandes capacidades intellectuaes e os proceres da politica Estadoal.
A elles, a quem o povo mineiro confiou expontaneamente os seus destinos, na certeza de ter á testa do Estado vultos de incontestavel valôr moral; a elles, que preocupados com as funcções e os trabalhos que exercem, não sabem, talvez, que apezar de nos acharmos tão distante, somos como os outros filhos de Christo, pedimos encarecidamente para se compenetrarem da verdade e mandarem sem retardamentos inuteis, as ordens precizas, não só para o iniciamento da obras da Cadêa local, que segundo lemos no Minas Geraes já foram postas em hasta publica², como tambem, para o concerto de um conjuncto de madeira que se assenta impudicamente sobre o Paranahyba, e a que, sem razões applausíveis, dão ainda o nome de ponte³. A verdade, porem, é que ponte ella foi em tempos idos, quando, como agora, não constituia um verdadeiro perigo, ameaçando deitar ao rio os transeuntes que, levados pela necessidade de passarem para o lado opposto, continuavam e continuam ainda, a jogar com a vida, mesmo sujeitos como estão, a todo instante, de passarem por uma diversão pouco agradavel, por um passatempo mesmo de inglez, como seja o de se verem a braços com um interessante e engraçadissimo sport de morte por submersão… Verdadeira intermediaria do commercio existente entre esta Cidade e os visinhos municipios de Araxá e Patrocinio, por certo, não poderá ella continuar como está, sem não trazer às casas commerciaes d’aqui, serios e elevados prejuizos.
O Estado deve estar plenamente informado, de que para prehencher essa falta alliáz sensível, não ha por emquanto, em nossas paragens, balões de especie alguma, a não ser esses de papel que os meninos soltam lá pr’as noites de S. João.
Deve saber mais que ainda que os houvesse, não resisteriam elles a transportar para negociantes e particulares d’aqui, a lotação que habitualmente transporta um carro movido a bois; porque, si é verdade que têm sido feitas experiencias nesse sentido, pelos aviadores extrangeiros, não é menos verdade que quasi todas ellas, tem dado um resultado inteiramente negativo. Da mesma forma deve estar sciente de que não temos tambem estradas de ferro, e de que para nós jamais sahio dos despachos da União o menor expediente a esse respeito, a não ser boatos vagos, despidos de valôr e de verdade, arautos, emfim, postos em campo pela fraqueza commum ao governo federal, que é justamente esta de prometter isso ou aquillo, quando em realidade jamais se lembra de cumprir o que a necessidade do momento − commumente, uma eleisãosinha de empenho o obriga comprometter para com certos municipios, afim de lhes auxiliar tambem em certos e determinados cazos… Muitos como nós, foram, porém, n’essas mesmas épochas, obsequiados com identicas promessas, e a esses só desejamos que não lhes aconteça o mesmo e vejam convertida em realidade a vinda da Goiaz, d’esta mysteriosa Goiaz, que se fosse obedecer ao itinerario traçado, talvez, não se demorasse a transpôr − as fronteiras da China, ligando o Brazil á Asia e provavelmente ás regiões desconhecidas, onde a tenacidade de Cook e outros exploradores, não conseguio ainda chegar… Maravilhosa estrada4!
Si o governo do Estado sabe, pois, de tudo isso, deve acreditar que a quéda da ponte, não tem para nós nenhuma das substituições apontadas, e que, portanto, vem de uma maneira fatal cortar as relações que actualmente mantemos, não só com os logares ha pouco citados, como tambem com a estação de Conquista, para onde se concentram grande parte das cargas vindas por alli, do Rio e S. Paulo, a pedido dos negociantes d’esta e d’outras praças visinhas. Entretanto, si se fossem tomadas as devidas providencias, logo apóz o dia em que a ponte abaixou consideravelmente de nivel com o desprehendimento de uma viga, já de ha muito, que estaria ella completamente solida, com pouco trabalho, já se vê, e com uma despeza relativamente minima.
Não se moveu, porém, o governo.
Agora, si quizer vel-a, como estava, já seria preciso gastar uma somma cinco ou seis vezes superior a que teria de despender n’aquella épocha. E’ uma simples questão de gosto, mas de gosto original, americano, sem razão admissivel, a não ser um accumulo extraordinario de ouro nos cofres Estadoaes.
Só desejamos, que estes reparos se façam, o quanto antes, para que a interrupção do transito pela ponte, não nos traga mais as difficuldades que até aqui nos têm trazido.
N. Ferreira5.
* 1: Leia “Condição da Cadeia Pública em 1911”.
* 2: Leia “Edital de Construção da Antiga Cadeia”.
* 3: Na época, a 2.ª ponte sobre o Rio Paranaíba construída no mesmo local. Leia “As Antigas Três Pontes do Rio Paranaíba”.
* 4: Leia “Reivindicando a Estrada de Ferro Goyaz”, “Visita dos Engenheiros da Estrada de Ferro Goyaz”, “Sobre o Trajeto da Estrada de Ferro Goyaz”, “Sonhando com a Estrada de Ferro Goyaz”, “A Estrada de Ferro Goyaz não vem Mais − Reações”, “A Questão da Estrada de Ferro”.
* 5: Como o agrimensor e vereador Eduardo Ferreira de Noronha já escreveu vários artigos sobre as condições da ponte, suspeita-se que esse N. Ferreira seja o próprio. Eduardo Ferreira de Noronha nasceu em Patos de Minas, no ano de 1857, segundo o cartório de Areado. Seu neto, porém, afirma que Eduardo Noronha é de origem portuguesa. Era agrimensor. Foi inspetor escolar, nomeado em 1897. Exerceu mandatos de vereador de 1887 a 1894, 1898 a 1900 e de 1907 a 1912. Era capitão e ajudante de ordem da Guarda Nacional, prestando serviço sob as ordens do coronel Farnese Dias Maciel. Foi subdelegado de polícia. Também era empreiteiro de obras. Faleceu no distrito de Chumbo, aos 57 anos, no dia 21 de novembro de 1914, sendo sepultado em São José de Quintinos, ou simplesmente Quintinos.
* Fonte: Texto publicado com o título “Locaes − Ponte sobre o Paranahyba” na edição de 22 de outubro de 1911 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.