NOVA MOEDA E A MENDICÂNCIA, A

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TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1943)

Na pequena vitrina existente à porta de nossa modesta redação, foram expostas algumas moedas do novo padrão monetário¹.

Por um destes dias, tão humidos e sem sol em que o Paranaiba rugia e se espraiava pelas varzeas, atraindo para si os comentários dos ociosos, a visita das solteironas e a curiosidade de muito negociante que não se afasta de seu balcão, tres meninas sujas e maltrapilhas, com sacos imundos debaixo dos braços, brincavam em frente á nossa redação. Não tardou que descobrissem por dentro do vidro as moedas reluzentes, e descobri-las, foi cobiça-las. Cobiça-las, para os seus habitos mal cuidados, e adquiri-las não era mais que um passo. Assim, tentadas pelos picolés das confeitarias vizinhas, as crianças penetraram na loja e roubaram. Mas não conheciam o valor das moedas novas e consultaram ao primeiro passante e este revelou-lhes o segredo. As moedas douradas, como sonho que lhes fugia, voltaram à vitrina. Com uma delas haviam somente comprado um sorvete, este sorvete que os outros meninos lambiam pelas ruas, e que elas talvez, nunca tivessem provado. O confeiteiro, como a gente de nossa redação, não lhes fez mal, e continuaram elas o seu caminho de porta em porta, a pedir as sobras de comidas de mesas fartas.

O incidente provocou, no entanto, comentarios. A nossa redação está ao lado de uma farmácia, e como nos bancos acolhedores das boticas sempre se fala dos fatos do momento, formou-se uma rodinha de sociologos (todo o mundo se julga com direito a este titulo) e o problema foi equacionado e discutido.

Censurou-se a policia porque não impedia o esmolar de menores, nem procurava coibir o abuso dos vagabundos que exploram a caridade alheia. Esbordoou-se o Juizo de Menores, a Promotoria Publica, o Govêrno, os argentários², o Brasil mal educado e pobre.

Cada um deu a sua solução para o problema, e os argumentos de um derrubaram os argumentos de outro, para no fim ninguem ficar sem apanhar e ninguem ficar sem defesa.

Todos erraram e todos acertaram. Erraram quando atribuiram à exclusiva inação de determinada pessoa ou entidade publica, a existencia do mal. Acertaram quando afirmaram que a ação destas pessoas ou órgãos dirigentes viria por cobro ao extenso mal social.

O problema da mendicancia, quer de menores, quer de adultos, seria, em parte, ou grandemente solucionado, não com ações isoladas deste ou daquele órgão, desta ou daquela pessoa, mas sim com a colaboração devotada e firme de todos. A policia, eliminando os exploradores; os poderes publicos, facilitando o trabalho e ensinando a trabalhar; as corporações de doutrinação espiritual redobrando os esforços no sentido de convencer ao ignorante que o trabalho dignifica; o Juizo de menores, exercendo mais severa vigilancia; o argentario, perdendo o amor ao dinheiro, e promovendo meios para que o seu ouro circule; e, finalmente, a sociedade em geral penetrando-se de amplo espirito de colaboração e lembrando que o sol ilumina e aquece vales, grotões, pincaros e planuras.

E todo mundo em nossa terra, podia colaborar. Não deixar que o Mons. Fleuri e a caridade do velho Abilio Queiroz construissem um asilo para a velhice desamparada³, e êste asilo ficasse na encosta do morro branco e vazio, atestando a vinte legoas de distancia, a nossa incompreensão. Todo mundo podia ajudar a acabar com os casebres do Cruzeiro, facilitando o trabalho para aqueles ignorantes, ensinando-lhes a dispor-se na vida. Todo mundo podia dar um cantinho na sua fazenda, onde há tanta terra boa improdutiva para os que não tem onde semear, possam colher também frutos com mãos orgulhosas e felizes.

Todo o mundo podia ajudar a construir uma cidade encantada, no coração do Brasil, onde crianças esfarrapadas não furtassem dinheiro e onde todos se orgulhariam da vida dignificada no trabalho e na abastança.

* 1: Em 05/10/1942, através do Decreto-Lei n.º 4.791, foi instituído o novo padrão monetário: saiu o Mil Réis e entrou o Cruzeiro, com Cr$ 1,00 correspondendo a 1$000 (um cruzeiro correspondendo a mil réis).

* 2: Diz-se de ou homem rico; argentarista, capitalista, milionário.

* 3: Leia “Vila Abílio Queiroz”.

* Fonte: Texto publicado com o título “Todo mundo podia…” na edição de 24 de janeiro de 1943 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto: Partes do texto original.

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