DR. EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES DESNUDA AS MAZELAS DA CIDADE EM 1911 − 1

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TEXTO: EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES (1911)

Inicio hoje uma serie de artigos com o titulo acima, depois de reflectir maduramente nas cousas que me rodeiam, olhando só para o bem do povo da patria de minha filha, e oxalá que essas reflexões encontrem guarida naquelles que são senhores do destino desta terra, mesmo porque a hostia deve ser levada ao altar da liberdade, pela mão de seus levitas; pode ser que eu esteja laborando em erro, desde já, porém, peço desculpa, pois que o espirito humano é como um embriagado a cavallo, quando se o levanta de um lado, é para cahir do outro.

A primeira cousa que se nos antolha nessas longinquas paragens è a quantidade de tragedias, de scenas de sangue, que se hão desdobrado aqui, com assustadora frequencia, a ponto do meu amigo Dr. M. de Barros dizer me em accentos profundamente pessimistas − “os criminosos pululam como formigueiro”, as cadêas estão cheias, os processos crimes em andamento são innumeros, e o leitor não pode imaginar sequer, que, de horrores, guardam as folhas silenciosas dos autos na prateleira dos cartorios; parece que retrocedemos, numa descida vertiginosa, muitos seculos atraz; neste andar, caminhamos a passos largos para o anniquilamento.

Eu pergunto a mim mesmo e vós perguntareis comigo, onde está o germen da molestia social? Que elementos etiologicos são estes, que predispõe a este estado morbido? Que derivação energica, se deverá oppor nos fócos de vitalidade deste grande mal? De que opsoninas deve estar armado este organismo social contra o microbio infectante?

Assim como nós outros médicos procuramos com afinco o germen de uma molestia para destruil-o, no lugar onde elle assesta os seus arraiaes, e a persistencia corôa de exito os nossos esforços, assim como procuramos os animaes portadores, anaphelinas, cullicidios, stegomias, barbeiros etc, assim como estudamos, o seu modus vivendi e o seu modus generandi, isolando, cultivando, ora no agar-agar, ora no caldo de carne, ora na batata, e por fim levantamos os olhos cansados do microscopio para ensinar a humanidade mais um remedio, trasendo para o campo da hygiene mais um preceito; assim tambem devem fazer os juristas estudando a morbidez no crime; devem estudar os criminosos, o seu modo de viver, de nutrir-se, as condicções clamatericas do meio, os seus gostos e os seus costumes.

Penso eu fraco observador á luz da experiencia, que muitos factores concorrem para este estado anormal, cujas consequencias serão terriveis se não se opuser um dique a esta columna exterminadora.

Primeiro factor: Armamento geral do povo pela tolerancia dos costumes; toda gente aqui em pé de guerra, ninguem se julga sufficientemente garantido, estamos em um estado de paz armada, os mais abastados sustentam os seus capangas, e esta herança capangal, vai de pais a netos, de maneira que estes homens rusticos, sem instrucção julgam que nasceram só para este fim, e que não têm outro destino a cumprir, de maneira que ficam as camadas inferiores da sociedade divididas em dous campos, os valentes e os pusilanimes. Segundo factor:

O abuso do alcool ethylico e os usos de alcooes venenosos e de má qualidade; não ha caxaça que se venda no mercado de Patos, que não contenha grande quantidade de alcool anylico, não ha vinhos de uva expostos ao consumo; alguem que tem uma ou outra garrafa guarda-a como preciosidade; os vinhos do consumo são verdadeiros grogs, zurrapas medonhos, nos estragam o estômago e degeneram a cellula nervosa: eis uma das razões porque não ha festa na roça que não haja morte.

Aqui apresentam-se diariamente pelas ruas da Cidade, individuos completamente embriagados, amolando a paciencia dos negociantes e embaraçando o transito; não ha correctivo para isto. Mais adeante quando tratar da prophylaxia, indicarei as medidas que devem ser tomadas.

Outro factor: A prostituição.

Dizem os escriptores, que a prostituição é a valvula social; sou de pleno acordo, isto porém é nos centros populosos, e não numa sociedade pequena como a nossa. Como explicar estas ruas immundas (moralmente), cheias de meretrises, escandalosas, bêbadas, seminuas, que vivem fazendo algazarra e promovendo desordens.

Outro factor: O Jogo.

O Jogo é verdade não pode ser completamente extincto, pois que nos lugares mais civilisados, existem casas de tolerancia, clubs etc; mas só tem entrada os socios ou pessoas abastadas, com cartão de ingresso; aqui joga-se ao meio dia 21, 31, busos, etc., escarranchados nos balcões das vendas; antigamente em Patos jogava-se, havia porem o privilegio, era uma certa classe; o operario não ia perder o salario do dia na casa da batota, nem se admittia menores a sapearem, permittam-me os leitores o calão.

Outro factor: A promiscuidade. Ha casas aqui, que vivem familias inteiras em um so comodo, a mesma sala é o quarto, o mesmo quarto é cosinha, não ha o menor recato; a filha vê o pai despir-se, o irmão vê a irmã despir-se ou no banho, etc, fica tudo n’um embroglio, numa miscellanea que muito concorrem para os crimes de attentados ao pudor.

Outros factores importantes, são a má hygiene, a má alimentação, a vadiagem e a falta de instrucção, etc., no proximo numero trataremos delles.

* Fonte: Texto publicado com o título “Soliloquios” na edição de 12 de março de 1911 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Do livro Municipio de Patos, de Roberto Capri.

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