DEIXAREI SAUDADE − 80

Postado por e arquivado em 2019, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Há muitos anos convivo com aromas esquisitos e um mundaréu de gente choramingando. As atuais almas que me habitam devem ser muito bem queridas na Cidade, pois recebem visitas todo dia. E a visita costuma sentar numa cadeira diferente e um sujeito todo de branco começa a mexer na boca da visita. E tome choramingas. Coisa esquisita, sô. Para complicar, parece que as visitas gostam disso, pois muitas delas voltam para choramingar. Muito diferente do tempo em que fui construída, quando não tinha nada disso aqui. A rua¹ até que não era muito movimentada, tinha poucos carros, mas certa vez o meu dono ficou bravo com uma empresa de ônibus de Carmo do Paranaíba que resolveu estacionar os veículos na minha frente². O bicho pegou mesmo, mas tudo foi resolvido. E o tempo foi passando, tudo mudando e as minhas colegas desaparecendo ao meu redor. Aliás, até onde minhas paredes avistam eu presencio o pipocar de edifícios.

Num dia desses aí, não faz muito tempo, ouvi uma conversa sinistra em meu interior, coisa do tipo “vou avaliar” e “dá até para um de dez andares”. Avaliar o que? Se for a minha aparência é perda de tempo, pois nunca deixaram de cuidar de mim. Dez andares de que? Que eu saiba, “andares” tem a ver com edifício. E é aqui que a vaca começa a entrar no brejo com o “vamos analisar”. Analisar o que? Juntando “avaliar”, “dez andares” e “analisar”, depois de muito queimar as pestanas do meu telhado consegui traduzir: vão avaliar quanto vale meu terreno para construírem um prédio de dez andares depois de analisado o tempo certo para a obra. Só pode ser isso, não dá outra. Isso significa, então, que meu destino foi traçado e eu não vou fugir da inevitável regra: o velho vai e vem o novo. Assim, sabe-se lá quando, serei transformada em entulhos para alimentar o progresso. Que seja, vou de paredes estufadas, fazendo parte da História de Patos de Minas. E, o mais importante, deixarei saudade!

* 1: Rua Agenor Maciel, ao lado da Praça Abner Afonso.

* 2: Leia “Um Estorvo Para o Zé Jorge e Vizinhança em 1979”.

* Texto e foto (29/03/2019): Eitel Teixeira Dannemann.

Compartilhe