Ele nasceu à sombra que lhe serviria de refúgio das pindaíbas, na vereda enfeitada de buritis. Ele nasceu na remansosa e límpida corrente que vai engrossar as aguas do Prata, bem perto de sua barra no Paracatú. Foi nos Poções, naquele deserto de areias e cerrados, que êle foi feito prisioneiro e metido num caixote de gazolina. Foi a perícia de caçador do sr. Olegario Tibúrcio, fazendeiro daquelas bandas esquecidas, o motivo de sua desgraça. E a jardineira o trouxe encaixotado para o sr. Daniel Pessoa, proprietário da Pensão Avenida, sita na avenida Getúlio Vargas.
Ele é filhote, tem pouca força e é de índole boa e mansa. Mede somente dois metros e meio. Num desses dias de chuva, em hora que o sol apareceu num buraco azul do céu, soltaram-no pela grama do jardim para satisfazer a curiosidade da criançada. Alguns mais atrevidos tiveram a petulância de puchar-lhe o rabo. Ele indiferente e manso não reagiu e procurou o caixote contra os gritos dos moleques e contra o sol que queimava.
A’ noite, talvez já faminto, ou nostálgico do “habitat” natal, resolveu ver-se livre da prisão e, espatifando o caixote, fugiu. Pela manhã ninguem sabia do sucurí. Batido o quintal não foi encontrado e continua solto.
A fome o obrigará álguma caçada, e de preferência atacará os galinheiros ou laçará algum cachorro lulú. E queira Deus tambem não lhe desperte cubiça alguma perna de moça, destas que andam sem meias. Embora filhote, é já bastante forte para causar danos e ofender com a sua laçada macabra algum vivente desprevenido.
As pesquizas continuam no objetivo de encontrá-lo, mas enquanto o pequeno monstro estiver sôlto pela cidade, oculto nalgum quintal ou dormitando enrolado debaixo de algum assoalho, é necessário que as mães repitam aos filhos o conselho: cuidado, o sucurí ainda está solto!
* Fonte: Texto publicado com o título “Cuidado, o Sucurí Está Solto!” na edição de 04 de janeiro de 1942 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho.
* Foto: Gartic.com.br.
