DIA EM QUE A JARDINEIRA DA URT TOMBOU NO QUEBRA RABO, O – 1

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TEXTO: ZAMA MACIEL (1941)

A edição de 1.º de junho de 1941 do jornal Folha de Patos publicou a seguinte nota:

A embaixada esportiva da U.R.T. que ontem á tarde partiu desta cidade com destino a Araxá, onde iria disputar hoje uma partida de futebol com o quadro daquela cidade, foi vitima de um desastre nas proximidades do Quebra Rabo. A jardineira que conduzia a caravana tombou, tendo rolado morro abaixo. Felizmente não se registraram acidentes pessoais graves. Apenas alguns componentes da embaixada sofreram leves ferimentos e contusões.

Presente no sinistro, Zama Maciel escreveu o artigo Alá Meu Bom Alá…, que foi publicado na edição seguinte do mesmo jornal, de 08 de junho:

Um grupo de rapazes saiu de Patos, na tarde de sabado, com destino á cidade de Araxá para disputar com os moços dali uma partida de futeból.

Ha sempre, nas reuniões da juventude, alegria e entusiasmo. Aquelas que se não apresentam com essas características, devem entristecer a velhice que nos filhos vê a perpetuação da propria vida. Sempre foi a força emanada dos sonhos e dos ideais da mocidade a autora dos efeitos heroicos de que se alimentam os povos nas suas grandes horas. Jovens que não brincam, que não saltam, não que cometem loucuras, que se não empolgam por um ideal qualquer, deles nada se pode esperar no futuro. Bolorentos e senis, são como epitafios da propria raça. Sadios e iluminados são os que olham sempre para frente, e não se deixam domesticar pelas supertições do passado, repelindo a maturidade pratica e vencida que se esforça para transmudar as claridades da primavera em tibieza outonal. Destes, disse um filosofo que o canto brota expontaneo no coração, como brota do pássaro que constrói seu ninho.

Na jardineira que partiu sabado, levando um punhado dos moços de Patos, tudo eram risos, e a cada mutação da paizagem, brotava uma canção. O sól aparecia pelos buracos azues, do céu.

A certa parada do veiculo, um passarinho qualquer entoou um canto de amor. Alguem, ouvindo-o, premeditou votos de ventura. E quando a cidade querida se escondeu atraz do morro, um único pensamento dominava: chegar à Araxá, abraçar a sua mocidade forte, desputar-lhe lealmente uma vitoria esportiva, e traze-la como presente à terra bonita e mãe dadiosa. Num pressentimento, alguem começou a cantar: “Alá Meu Bom Alá”…, e, em côro, vozes responderam: “Alá Meu Bom Alá”… E quando se repetia essa oração, a jardineira virou pela encosta abaixo.

Não se ouviu um grito de horror, uma imprecação, e, constatada a ligeiresa dos ferimentos, o sorriso voltou aos labios. Fábio Borges levava doces para a irmã menor que estuda no Araxá, e como alguém queixasse fome os doces que as meninas bonitas do colegio iam comer, mataram a fome dos companheiros feridos.

Quando chegou o primeiro carro, um passageiro, medindo o tamanho do tombo, concluiu que escaparamos por milagre. Alá ouvia a prece, e mais uma vez testemunhava a sua bondade. Bem aventurados os que creem, por que serão consolados.

Muitos quiseram prosseguir viagem para não se desapontar o povo de Araxá. O autor dessas linhas, que luchara os braços, poude observar a fortaleza de ânimo dos moços que, nas ladeiras do Quebra-Rabos, pilheriavam, estancando os sangues dos ferimentos e examinando a extensão das pancadas.

O choque recebido abalaria o ânimo de um fraco. Aqueles moços teriam empolgado em Araxá, mostrando a fibra que Jaques Corrêa não cansa de apregoar. Ali, aqueles jovens deram testemunhos seguros de que serão capazes de enfrentar as vicissitudes da vida com a mesma fortaleza de ânimo de que davam prova naquela tarde de sol. Bendita a terra que conta com uma mocidade assim!

* Fonte: Jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho.

* Foto: Comodesenhar10.blogspot.com, com edição de Eitel Teixeira Dannemann.

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