TEXTO: MÁRIO DA FONSECA FILHO (1955)
Meu caro concidadão:
Fraternais saudações,
Aproxima-se o jogo MAMORÉ x U.R.T..
Sei de seu entusiasmo, do entusiasmo geral em tôrno dêsse prélio. Coisa natural, e até louvável, porque simboliza, reflete, participação intensa do conviver social. Duvido que alguem consiga se furtar ao contágio dessa “emoção”, desse “palpitar” formidável, imensamente humano, eterna constante de situações de “expectativa”, como a presente.
A vida tem mesmo destas coisas. Dizem que inexiste alegria completa, plena. Sempre, há u’a peninha, para atrapalhar… Para ser sincero, gostaria de omitir êsse linguajar pessimista. Porque, não o subscrevo, de forma alguma. A vida é bela, tudo depende da gente, do modo pelo qual a gente vê as coisas. O que não implica, em negação da realidade, em não aceitação dos fatos, tais como se apresentam.
Ando meio chateado, irritado, com a repetição de certos boatos, certas conversas, que a gente ouve, aí pelas ruas. Vou contar-lhes tudo, inclusive o que andei pensando.
Disseram-me, prezado concidadão, da não conveniência de um prélio entre MAMORÉ e U.R.T.. “Não deveriam se defrontar esses dois quadros…”. “A briga será certa, a violência estragará tudo…”. “Jogadores, ‘torcidas’, fatalmente entrarão em atritos, a coisa será feia… etc… etc…; e outras tantas de igual jaez…”. E, para terminar: “A rivalidade vem de longa data; e é besteira tentar contornar a situação, preparar espíritos, etc…”.
Não participo, dessa opinião. Dir-lhe-ei porque. A gente pode partir de uma evidência, accessivel à todos. Patos, é uma cidade civilizada, de indice cultural bastante elevado. Todo mundo o reconhece, patense ou não, todo mundo nota o progresso crescente de Patos.
Ora, a violencia, o arbitrio, a truculência, a desarmonia, a imponderação, constituem frutos, produtos da ignorância, do atrazo, da incultura, da selvageria, da estupidez. Um sujeito civilizado, civilizado no bom sentido, dificilmente desrespeita o direito do próximo, dificilmente tripudia sobre a Justiça, dificilmente pratica violência, arbitrariedades, provoca desordens. Do contrário a cultura, a educação, a instrução, o aperfeiçoamento moral, intelectual, seriam nada, perderiam sentido, passariam à categoria dos valores negativos.
O patense é educado, civilizado, progressista, reverente ante à Lei, à Justiça, ao Direito; pacífico, amigo da concordia e do trabalho. Vive num meio superior ao comum, tem vida social intensa, educa-se, instrue-se, mostra-se compreensivo, é grande nos gestos, nos sentimentos.
Veja você, concidadão amigo, que estou falando assim naturalmente, despreocupado de “estilo”, de “fórma”.
Concluindo: não acredito na violência, neste jogo, por que: quem vai jogar é patense, quem vai assistir ao jogo, é patense; o campo é patense.
O MAMORÉ tem sua séde ali, na Rua Major Gote. Por outro lado, a da UR.T. se encontra na Av. Brasil. Os jogadores do Mamoré, são na sua maioria, filhos de Patos. Idem os da U.R.T.. Tudo é patense. Trata-se, por conseguinte, de uma disputa entre irmãos. Disputa, por irmãos assistida.
Por isso, não me parece aceitável essa “boateira” toda. Sinceramente, não posso atinar com o “porque” das “nuvens”, das “preocupações”, das “ondas”. Dai, o me surpreender “chateado”, irritado, com tanta conversa fiada, besta.
Só se a gente estivesse enganado quanto ao cidadão patense, seu caráter, sua contextura moral. Hipotese, no meu entender, de todo inadmissivel, absurda.
Penso, meu caro concidadão, que você, muito poderá fazer no sentido do clareamento geral da situação.
Os Dignos presidentes, respectivamente, do Mamoré e U.R.T., Drs. ANTONIO XIMENES DE MORAIS e DIOMAR DE MATOS, se acham imbuidos de idênticos propósitos, envidando os melhores de seus esforços, no sentido de u’a melhor compreensão do esporte, do verdadeiro esporte. Vamos colaborar com êles?
Era isto o que desejava lhe falar. Estou certo de seu apôio total. Sem mais, disponha sempre do
Mário da FONSECA FILHO
Patos de Minas, junho de 1955.
NOTA: Tudo leva a crer que esse jogo foi a final do Campeonato do Alto Paranaíba, com a URT sagrando-se campeã, sem dados suficientes a respeito do resultado da partida. Como parâmetro, os times da época em “Mamoré 1954/1955 − 1 e 2”, “URT − 1955”, “URT − 1955/Campeão do Alto Paranaíba”.
* Fonte: Texto publicado com o título “Carta Aberta” na edição de junho de 1955 do jornal Correio de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Edição n.º 01 do jornal O Tablóide de 01 de maio de 1996, do arquivo de Fernando Kitzinger Dannemann.