GARIMPAGEM E O DIAMANTE GETÚLIO VARGAS

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O Distrito de Quintinos, que pertenceu ao Município de Patos de Minas de 1911 a 1938, foi o local predileto para garimpagem da época, e de onde se extraiu o maior número de pedras de valor e de tamanho grande.

Foi Osório Correia da Costa quem mais impulsionou no século 20 o garimpo em Patos de Minas, iniciando os seus trabalhos lá pelos idos de 1924, e foi quem descobriu os garimpos do Rio Santo Inácio, no Município de Coromandel e no Rio São Bento, em nosso território. Mesmo homens de situação financeira tranquila abandonaram seus afazeres para se dedicarem a este mister, semelhante ao que sucedeu com o garimpo de cristal em Cristalina-GO, em fins de 1965 e princípios de 1966. E, em muitos garimpos, havia cerca de 200 diaristas, chegando a totalizar uns 10.000 homens em todas as nossas regiões diamantíferas, à cata da pedra sonhada.

No período de 1933 a 1934, Bermudes Afonso de Castro¹ e Osório Correia da Costa encontraram no Rio São Bento² 10 pedras de primeira água³, de 60 a 120 quilates. Ainda no São Bento, Rodolfo Afonso encontrou três grandes pedras. J. Gondim apanhou, no mesmo rio, umas 10 pedras, chegando a encontrar uma de 180 quilates. Antônio da Costa Pacheco (Marujo), em sociedade com Neca Mariano, no local denominado Pescoço, no Distrito de Quintinos, encontrou uma pedra de cor rosa, de primeira água, com mais de 70 quilates, vendida a um judeu “capangueiro” que apareceu em Serra do Salitre, em 1935, por mais de 200 contos de réis. Seis quilômetros abaixo, Manuel Leocádio apanhou uma pedra de primeira água, branca extra, de 60 quilates.

Já no Abaeté em territórios de Quintinos, Antônio Felício garimpou 14 pedras, em 1934, variando de 10 a 60 quilates. Ainda no Abaeté, no Porto do Maurício, território do então povoado de Bonsucesso, João Guimarães conseguiu uma de 273 quilates e 35 pontos e, no mesmo rio, perto de sua barra, no território do Distrito de Chumbo, Pedro de Matos encontrou uma de cor extra, com 72 quilates. Nas proximidades deste arraial, em 1965, um carreiro, tangendo o seu carro-de-boi, foi despertado pelo brilho de uma pedra que muito reluzia na estrada. Era um diamante de 180 quilates, apesar de pouco valor, foi vendido por Antônio Amaral (Cota), em Patos de Minas, por Cr$ 900.000,00.

Mas, nenhuma dessas pedras causou tanta celeuma, nem tanta divulgação, como a encontrada por Joaquim Venâncio Tiago, Manuel Miguel Rodrigues e Sebastião Rodrigues de Amorim, no Rio Santo Antônio do Bonito, no Município de Coromandel, de 726 quilates e 25 pontos, branca extra, de primeira água, conhecida por “Getúlio Vargas”.

Joaquim Venâncio Tiago, o que ficou com a pedra e a vendeu, antes de garimpar, era comerciante no povoado de São Braz, no Distrito de Santa Rita de Patos4. Por causa de uma forte chuva acompanhada de ventania, que derrubaram sua casa e armazém, viu-se, de momento, com tudo perdido, ainda devendo mais de 11 contos de réis. Isto lá para fins de 1920. Largou a família e foi para o garimpo às beiras do Rio Indaiá, no Município de Dores do Indaiá. Aí começou a sua sorte. Num espaço de 44 dias, conseguiu achar 23 pedras, sendo que uma delas pesava seis quilates. Com a venda de 14 desses diamantes, conseguiu pagar suas dívidas em São Braz. Com resultados financeiros dos 9 restantes, conseguiu viver durante uns oito anos.

“Um dia − é Joaquim Venâncio quem fala − fui bater com os meus costados na região de Santo Antônio do Bonito, perto de Coromandel. Aluguei um ranchinho de sociedade com Manuelzinho Domingos e, trabalhando para nós dois, estava o menino Sebastião Rodrigues Amorim, o “Sebastião Eva”, que eu criei. Comigo estavam meu filho João (hoje, empregado na Prefeitura de Patos de Minas) e mais três companheiros”.

“Era a noite de 12 de agosto de 1938. Depois de um dia trabalhoso entre o cascalho do garimpo, fui para o ranchinho. Conversamos um pouco, bebi alguns goles de café e fui dormir para pegar no trabalho, no dia seguinte. Então, sonhei. Meu sonho era claro e nele via uma mulher toda de branco, bonita mesmo, sobre uma barquinha; ela vinha rio abaixo. Em certo momento parou. Saltou e veio para uma das margens do riacho, exatamente naquela em que estava fincado o nosso rancho. Depois de caminhar alguns metros, desceu um barranco e parou. No lugar exato em que ela desapareceu, no dia seguinte marquei com um pau. Avisei a Manuelzinho que iríamos cavar ali, pois a grande pedra estava próxima. Durante um mês, reviramos tudo à procura de duas enormes pedras (no sonho, a mulher deu a entender que o diamante grande estava entre duas enormes pedras). Finalmente, achamos o que procurávamos: as duas pedras. Ali, parei para descansar, Manuelzinho, afoito, quis continuar. Meteu a picareta e foi então que aquela enorme pedra brilhante rolou! Mesmo suja de barro do cascalho, ela brilhava! Como era bonita, meu Deus! Imediatamente, meti a pedra no bolso e não contei nada para ninguém, nem para minha mulher. O mesmo pedido de silêncio havia feito a meus sócios e companheiros”.

“Meu grande problema era vender a pedra. Procurei, em primeiro lugar, o fazendeiro Quinquim Aguiar, que era o maior capangueiro (comprador) da região. Ele não sabia ainda da descoberta da pedra. Por isso, não me deu nenhuma importância quando cheguei à sua casa. Depois, Quinquim Aguiar me procurou, mas não pessoalmente. Fiz uma jornada longa com aquela fortuna presa na cueca. Entrei pelo mato adentro, fui para o arraial do Pântano e, de lá, para Patos de Minas, onde pedi garantias ao Juiz, Dr. Orestes. A garantia que me deu foi um revólver, depois de alegar que poderiam matar a mim e a sua família, caso soubessem que o diamante estava escondido em sua casa. (Teve receio de jagunços ambiciosos). Junto com meu genro Abel Nole, fui me esconder na casa do meu amigo Dr. Antônio Dias Maciel. A esta altura, soube que em Patos de Minas se encontrava o comprador Oswaldo Dantés dos Reis, de Carmo do Paranaíba, que tinha o dinheiro para adquirir o diamante. Finalmente, em Patos de Minas, vendemos o diamante. Recebi 2 mil e 100 contos de réis pelos 726 quilates e 25 pontos. Era muito dinheiro, minha Nossa Senhora!”.

“Peguei aquele monte de notas e coloquei no Banco Comércio de Minas Gerais, assim distribuídas: 890 contos para mim; 890 para o Manuelzinho e 320 contos de réis para o Sebastião Eva. O primeiro negócio que fiz com o dinheiro foi comprar uma fazenda de porteira fechada (com tudo), por 470 contos. Para lá me mudei”.

“Depois da fortuna, foi que começou o meu caminho para a miséria. Sebastião Eva, ‘conversado’ por gente estranha, meteu na cabeça que eu havia roubado na partilha. Achava que ele tinha direito a uma parte igual à minha. Iniciou, então, uma demanda. Ao final de alguns anos, eu ganhei a questão, mas já metade do dinheiro tinha ido embora em pagamento aos advogados. Depois, sem ser esclarecido a respeito, avalizei letras de até 125 contos de réis, sem saber que eu pagaria caso não pagasse o emitente. Acabei pagando. E, por aí afora. Vendi minha grande fazenda, comprei uma menor, outra menor ainda e, agora, estou aqui”.

Joaquim Venâncio Tiago, um dos donos do mais famoso diamante do Brasil, mora, pobremente, com seus 88 anos de idade, num ranchinho, numa área de três alqueires, no Capão da Matinha, no Município de Presidente Olegário. [isso em 1971]

Manuel Miguel Rodrigues, o Manuelzinho, depois de viver vida de rico, esbanjando a sua fortuna, caiu também em extrema pobreza. Mudou-se para Goiás e vive por lá, com suas recordações e talvez sonhando, como Joaquim Venâncio, em encontrar uma outra pedra tipo “Getúlio Vargas”. [isso em 1971]

Já Sebastião Rodrigues Amorim, o Sebastião Eva, o que menos participou do lucro da pedra famosa, em relação aos outros dois, é rico. Pois, apesar de comprar uma fazenda de pouco valor, lá na Prata, também Município de Presidente Olegário, vive os seus dias tranquilos e procurando conservar o que possui. [isso em 1971]

E o destino do “Getúlio Vargas”? Oswaldo Dantés dos Reis vendeu-a e após outras vendas foi finalmente arrematado por um joalheiro de Nova York – Harry Winston –, o qual cortou a pedra em 29 brilhantes. O maior brilhante recebeu o nome de Presidente Vargas, com 44,17 quilates e estaria hoje nas mãos do joalheiro Robert Mouawad, de Beirute, após passar por vários proprietários. Correu a notícia − mas não podemos assegurar a sua veracidade − de que depois de lapidada, os seus brilhantes foram avaliados em 6 milhões de dólares. Assim ficou encerrada a história de um diamante que três humildes filhos de Santa Rita de Patos acharam, ficaram ricos de momento, mas dois deles não souberam conservar a sua fortuna adquirida.

Ainda hoje [isso em 1971], muitos filhos da então “terra do diamante” vivem a revolver cascalhos, realizar desmontagens à beira de seus rios famosos em garimpo, na esperança de encontrar outro brilhante de enormes proporções. Os sonhos dos garimpeiros são amenizados através de pequenas pedras e de muitos xibius. Uns de grande pureza, outros, não.

* 1: Leia “O Maior de Nossos Garimpeiros”.

* 2: O Edifício São Bento recebeu esse nome numa homenagem ao Rio São Bento, pois ele foi construído com o resultado financeiro obtido de diamantes lá encontrados pelo seu proprietário, Bermudes Afonso de Castro.

* 3: É raro encontrar um diamante sem nenhum traço de nitrogênio e, quando encontrados, são, certamente, os mais valiosos. Esses são os chamados “diamante de primeira água” ou “diamante branco azul”.

* 4: Santa Rita de Patos foi distrito de Patos de Minas até 17/12/1938, quando, através do decreto-lei estadual nº 148, foi desmembrado para constituir o novo município de Presidente Olegário.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fontes Livro Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello (1971) e Jornal da UNICAMP (Campinas, 10 a 23 de outubro de 2011 – ANO XXV – Nº 510).

* Foto 1: O “Getúlio Vargas” em seu estado bruto, de comproourobh.com.br (?).

* Foto 2: Capa do livro Joaquim Venâncio Tiago − O garimpeiro que encontrou o diamante Presidente Vargas”, de André Mendonça, Mateus Silva e Tiago Wilson, de vakinha.com.br.

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