CASA DO GOTE

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TEXTO: JORNAL O TRABALHO (1907)

Forasteiro nesta cidade sertanzina, depois de um percurso já de alguns annos, por ahi alem onde o fumo do progresso ainda não deu ares de sua graça, tiramo-nos, numa verdadeira desobriga, de nossos cuidados e fomos dar um balanço na vida intima de Patos, que, espirrando, por qualquer dos lados, vae dar de cabeça na estrada de ferro, distante apenas 35 legoas, quer se trate da Mogyana ou da Oeste de Minas.

Somos por indole muito bisbilhoteiro e, por isso, perdoe-nos o Gote¹ darmos com a lingua no que não é da nossa conta e chame-nos mesmo, si quizer, as contas, em juizo, pelos prejuizos de damnos e percas que a nossa intriguice lhe acarretar.

Sempre fizemos parte do guapo grupo dos falladores, sem no entretanto, ser papagaio ou arara, e, quando a casaca do amigo está de aba muito ao vento, mettemos-lhe a thesoura, sem dó nem piedade, na maciota de diplomata e sempre na ausencia porque ficamos mais a commodo. Essa é a praxe dos grandes mestres e tratadistas cujas lições e exemplos temos seguido, sem no entretanto, declinar ao respeitavel publico os seus nomes para evitar serem os mesmos compulsados.

Na actividade comercial o Gote é uma especie de John Bull, na attenção e o modos delicados para com a freguesia, quer se trate do mais exigente ao mais pacato, é uma dama, de modo que muita vez quem entra na casa commercial do Gote faz sortimento para toda a vida e ainda volta depois para buscar mais, diremos que o freguez retorna mais pelas saudades do Gote que não perde tempo em cobrar a sympathia vendendo muito ao seu amigo vindouro do bom e do melhor e por um preço que até nem nunca se viu. Quem não estiver acompanhando os progressos da vida commercial do universo dirá que a primeira vista o Gote vende com prejuizo, mas assim não é, comprehendeu a situação hodierna e favorece nas melhores condições ao comprador do varejo como do atacado em grosso.

Na sua casa que é assim uma especie de centro de exportação, para dentro e fora do Paiz, tudo é em proporções grandes, desde o negocio de fazendas, armarinhos e ferragens, até aos generos do Paiz, bebidas, etc. Um noivo da mais exigente especie encontra ali de tudo para o seu nicho venturoso, não faltando nem a roda para Martha fiar o algodão para linha de tecido, etc. Si o freguez chegou com a barriga pregada as costas não lhe falta o substancioso jantar, servido com toda bondade pela dona da casa, a D. Bita, esposa do Gote. Ha dias em que não se pode locomover dentro da sua vasta casa commercial devido a grande agglomeração de povo que sae sobraçando grandes volumes de compra. O Gote parece até que nasceu empellicado, e foi no berço afogado por Mercurio de braços dados com a Felicidade.

J. Caherau.

* 1: Sesostris Dias Maciel, o Major Gote.

* Fonte: Texto publicado na edição de 19 de maio de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Primeiro parágrafo do texto original.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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