GERÔNCIO E O PORTUGLÊS

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Se tem uma coisa que irrita o Gerôncio é o excesso de estrangeirismo no nosso idioma dito oficial. E se tem uma coisa que o Gerôncio adora é receber ao lado da esposa Mônica os filhos e os netos em seu sítio às margens do Córrego dos Gonçalves, na Baixadinha. E as duas emoções se misturam quase todo final de semana: a alegria da família reunida e o desgosto de ouvir da própria família tantas palavras que não fazem parte de nosso dicionário.

– Ora, Gerôncio, hoje é assim mesmo, é a tal globalização, e jamais se esqueça do mundaréu de palavras do português que derivou de outras línguas além do inglês, como a francesa e a dos índios − sentencia a esposa.

– Ora, Mônica, pra tudo que falam hoje tem que ter uma palavra em inglês, sendo que tem o correspondente em português, já é frescura, o tal do complexo de vira-lata do Nélson Rodrigues, já deviam é chamar a língua de portuglês − resmunga o esposo.

E no sossego do ar puro da roça assim se ouve:

– Quer que eu tira a bike do carro, filho?

– Mãe, gostou do meu novo look? Meu coiffeur é ótimo. Olha só o meu glamour!

– Pai, mãe, onde está a faca do churrasco? Vocês dois estão precisando de um personal organizer.

– Você viu aquela loja da Rua Major Gote com 50% off?

– Eu vi, mas não compro lá porque não tem delivery, nem motoboy eles têm.

– Mãe, segunda-feira vou te levar naquele drive-thru.

– E a Festa do Milho, hêim? Já compramos os ingressos para os camarotes com open bar e open food. Vai ser o nosso point.

E por aí a conversa prossegue com o Gerôncio sempre tentando corrigir os filhos, os genros, as noras e os netos, e na outra ponta a Mônica dizendo a todo o momento para o marido deixar de ser atrasado. Certa vez, um dos filhos falou:

– Mãe, pai, o Carlinhos já aprendeu a escrever tudo, direitinho.

O Carlinhos, então, foi incentivado por todos a demonstrar a sua esperteza. Foi-lhe entregue um caderno, uma caneta e, com cuidado, ele escreveu uma frase. Quando o avô leu, no ato teve a certeza absoluta de que, realmente, o nosso idioma tem que ter o nome alterado para portuglês. Assim o garoto escreveu:

– Papai, compra pra eu umas bulinhas de good?

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

Compartilhe