DISPUTA ACIRRADA POR DEFUNTOS NO FINAL DA DÉCADA DE 1980

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A situação é funesta. Um dos sócios de uma das mais tradicionais funerárias de Patos de Minas chegou ao limite de sua paciência; e desabafou com um amigo: “estão fazendo plantão nos hospitais”. Trata-se, na realidade, de uma denúncia (ou, melhor, um alerta), mesmo não tendo sido essa a intenção do “homem do ramo” que fez o desabafo. “Os abutres fazem sua ronda em busca do sustento”, satirizariam os mais cínicos cidadãos patenses conhecedores do caso.

Mas a situação é mesmo funesta. E não necessariamente engraçada. Ao fazer seu desabafo, o sócio da funerária patense simplesmente queria dizer que não suportava mais a “concorrência” desonesta de duas outras funerárias – de pouca tradição em Patos de Minas. Segundo ele, essas duas “casas do ramo” estão apelando para a ronda aos hospitais, ou mesmo plantões, como formas de vencer a concorrência frente às funerárias que, por tradição e bons serviços, são mais solicitadas.

O alerta – à população em geral e, especialmente, às autoridades constituídas – não passaria de uma denúncia vazia, não tivesse o intrigado sócio da funerária lesada sido informado dos plantões e visitas exatamente por um funcionário de hospital. A denúncia (que prefere não mencionar nomes, pelo menos por enquanto) nasceu, portanto, da comprovação (por parte do funcionário do hospital) e não de uma mera desconfiança ou suposição.

Os lesados – É fato consumado, então, que a concorrência desonesta, de duas funerárias patenses para com suas congêneres locais, existe. E, se tal comportamento lesa as funerárias tradicionais e honestas em termos financeiros, esta não é, em absoluto, a pior de suas consequências imediatas. E o lado humano deste distúrbio? E o desrespeito ao sentimento de dor daqueles que perderam – ou estão por perder – um ente querido? Reside aí, sem dúvida, o pior dos males dessa ação impensada das funerárias plantonistas.

Para aquelas funerárias que há vários anos fazem um trabalho correto e, por isso mesmo, se caracterizam pelo respeito aos sentimentos mais doidos do ser humano, toca realmente um prejuízo financeiro. Para os parentes dos enfermos graves ou de pessoas recém-falecidas, toca o constrangimento da ronda funesta que as duas funerárias desonestas realizam. Melhores seriam os dias futuros, se parassem por aí as consequências nefastas dessa hipocrisia.

Na verdade, essa atitude atinge – moralmente – a população patense como um todo, além de desmoralizar o setor das funerárias, quando todo mundo sabe que Patos de Minas possui empresas dessa área com crédito em alta nas diversas cidades da região. Isso porque tais empresas sempre agiram serenamente, sem artifícios grotescos que lhes dessem qualquer vantagem sobre os concorrentes. Em suma, plantão funerário em hospitais (ou em qualquer outro lugar) é uma agressão à inteligência e sensibilidade humanas.

“Urubulino” – Até parece que a morte ganhou “torcida” e aliados. Pior que esse contexto deprimente, só mesmo o contexto – revelado, aberto – em que o humorista Chico Anísio colocou seu personagem “Urubulino”, aquele sujeito extremamente negativista, que causa até calafrios nos seus interlocutores. No caso das duas funerárias desonestas, não se pode medir ou mesmo estimar o quanto desejam a morte.

A ação, por si mesma, no entanto, indica que se aliaram às consequências funestas. São “voluntários” da morte por interesse próprio. E lesam, com isso, toda uma comunidade, até hoje desinformada do fato em si e, por enquanto, privada de saber os nomes dos santos milagrosos. Mas, com certeza, tal situação não perdurará por muito mais tempo. É com essa esperança que este alerta se torna artigo de capa da revista A Debulha.

O que fazer para destronar os plantonistas? E por quem pode ser feito algo neste sentido? A ação deve ser conjunta. Com certeza as autoridades no município devem se manifestar, de forma que julgarem conveniente. Mas também os hospitais podem dar sua contribuição para o fim definitivo dos plantões e visitas funestas. Que a ação dos homens de bem coloque as coisas nos seus devidos lugares. Essa é a prece que fazemos.

* Fonte: Texto publicado com o título “Os Torcedores da Morte” na edição n.º 179 de 15 de fevereiro de 1988 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Informativo.com.br, meramente ilustrativa.

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