Os tropeiros, além de implantadores da nossa civilização, exerceram um grande papel na região no que tange às intercomunicações com outras cidades. Inicialmente, alguns fazendeiros também possuíam a sua tropa, meio de ligação de sua fazenda com o “comércio”. No entanto, não era produtivo. Grande emprego de capital para um transporte reduzido de mercadoria, nada vantajoso para o produtor. De mais a mais, as produções agrícolas cresciam a olhos vistos. A seu lado havia facilidade de criação de gado vacum e principalmente do gado “curraleiro”. Os bois, uma vez castrados e adestrados para a função de puxar carros, tornavam-se dóceis e de grande resistência física. Por outro lado, a topografia do Município, em relação a destas Gerais facilitava tal tipo de transporte: o carro-de-boi.
Quanto à abertura de estradas não haveria problema, uma vez que, limpos o cerrado ou a mata, o próprio carro se encarregava de rasgar o seu caminho, cognominado “estrada carreira”, contrapondo-se à “estrada real”, a principal, cuja parca conservação era mantida pelos erários públicos em épocas imperiais. A bem da verdade, muitas destas estradas rasgadas pelos carros-de-boi foram aproveitadas. Várias rodovias estaduais são as antigas estradas carreiras, com pouquíssimas modificações e com algumas técnicas modernas implantadas para o seu leito.
No carro-de-boi passou-se a transportar de tudo, desde a mercadoria, o toucinho salgado e enrolado em fardos, mesmo o porco vivo e até as mudanças e famílias se serviam dele para o transporte. Com a primeira economia, todo sitiante tratava de adquirir o seu carro e o maior número possível de juntas de boi. Quanto mais trabalhado fosse o carro e maior o número de juntas, mais se evidenciava a condição financeira do seu proprietário.
Em meio à parafernália mecânica do carro-de-boi não faltava a trempe. Tornava-se quase tão necessária quanto as outras peças. Era a cozinha ambulante do carreiro. Nos pousos noturnos, enquanto dormiam, colocavam feijão a cozinhar e, no dia seguinte, na primeira parte para o almoço preparavam a refeição, constituída de arroz com açafrão, quase ensopado, misturado à farinha e com torresmo. Estas paradas nas estradas geralmente se davam à beira de alguma vereda ou de um córrego de águas cristalinas.
Eram condutores do carro-de-boi o carreiro-chefe, amestrado depois de muitos anos e após profundo conhecimento de toda a arte de bem dirigir o carro, auxiliado pelo candeeiro, o guia do carro. Para conduzir os bois, usavam uma vara com um ferrão à ponta. O orgulho do carreiro estava na cantiga do carro, pois o que não cantava não prestava. Quanto mais grave o som, mais bonito e mais admirado. O seu canto era a poesia dos campos inóspitos que ia enchendo de sons as quebradas da paisagem ondulada e a família cientificava-se do regresso feliz e aguardava ansiosa as novidades que junto com ele chegariam. Também os carreiros costumavam identificar os carros nas estradas através do canto.
Foi o único meio de transporte usado em várias décadas entre os fazendeiros. O carro-de-boi era de grande importância econômica, pois os maiores chegavam a transportar até 1500 kg de mercadorias. Ele se prestava também à viagem de toda a família que se dirigia ao “comércio” a fim de assistir aos importantes atos religiosos, o que se dava sobretudo durante as comemorações de Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Abadia, Semana Santa e Santo Antônio. Havia anos em que mais de 300 carros-de-boi aportavam na pequena cidade. Em 1915, ocasião da Visita Pastoral de D. Eduardo Duarte da Silva, talvez foi o ano em que a cidade viu reunida a maior quantidade desse quase único veículo conhecido. Havia os ranchos dos carreiros, entre eles o de Sesostris Dias Maciel (Major Gote) e a célebre Casa da Mata. Quando as hospedarias se tornavam insuficientes, pousavam na periferia da cidade, principalmente no Largo de Santana (hoje Mercado Municipal), dormindo os carreiros sob a tolda de seu carro. Ali mesmo, ao relento, instalavam a cozinha. Como marca de sua passagem e estada, sobravam os montes de cinzas da improvisada cozinha.
Durante a noite, até que a tranquilidade fosse total para o repouso, costumavam aglomerar-se e, além dos “causos” narrados à beira do borralho, cantavam ao som da viola os amores frustrados ou as saudades das morenas que longe ficaram. Quantas lendas, quantas histórias ficaram perdidas no espaço do pouso desta gente rude e laboriosa! Gente ao mesmo tempo engenhosa e profundamente conhecedora das artimanhas do seu duro mister.
Assim como as tropas foram substituídas pelos carros-de-boi, estes deixaram lugar com o advento do automóvel, aos veículos motorizados. Os fazendeiros abastados passaram a arrumar as antigas estradas carreiras, e elas passaram a ser cortadas não mais pelo cantar dos carros-de-boi, mas pelos roncos pesados dos jipes, camionetas e caminhões. O de menor posse substituiu-o pela carroça à tração equina. Esta, mesmo ao tempo do carro-de-boi, já existia nos sítios mais próximos da cidade. No centro urbano, Divino Londi de Souza foi quem a introduziu como serviço de transporte pago entre as casas comerciais.
Foram-se os tempos do carro-de-boi. Ainda escassamente se vê por aí, com as mesmas características. Usualmente não vem à cidade. Restringe-se apenas às fazendas, transportando os víveres das lavouras para os armazéns da sede ou para conduzir lenha. Nós os encontramos nos rincões mais distantes do Município e nos locais mais abandonados pela administração, onde a estrada é escassa e desdenhada pelo poder público. A influência do carro-de-boi em nosso meio foi enorme, substancial, tanto quanto os tropeiros e cometas – e por que não dizer? – bastante benéfica. Além de transportador, foi o natural locador e abridor de estradas.
* Fonte: Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.
* Foto: Pintura de Rui de Paula, de Zinebrasil.wordpress.com.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.