A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um partido político fundado pelo jornalista Plínio Salgado em 07 de outubro de 1932, com o “Manifesto de 1932”, que defendia um Estado autoritário. Devido ao uniforme que utilizavam, ficaram conhecidos como camisas verdes ou galinhas verdes. O presidente Getúlio Vargas apoiou a organização do movimento desde o seu início, mas tão logo implantou o Estado Novo surpreendeu os integralistas proibindo a existência de qualquer agremiação política a partir de novembro de 1937. Em 11 de maio de 1938, o Palácio da Guanabara, onde era a residência oficial do presidente da república, foi atacado por cerca de 80 integralistas liderados por Severo Fournier. Eles queriam depor o presidente e reabrir a AIB. Mas Getúlio conseguiu sufocar a rebelião frustrando o plano dos integralistas. Como consequência, o partido permaneceu fechado durante todo o governo de Vargas, milhares de militantes da AIB foram presos e Plínio Salgado foi exilado em Portugal. O ocorrido ficou conhecido como Levante Integralista.
A Ação Integralista conquistou mais de um milhão de adeptos, como apontam jornais do período, investiu expressivamente na preparação de seus quadros através da educação integral – educação moral, física e intelectual – para formar o soldado que considerava apto a lutar pela Nação e pela causa do movimento e para formar uma massa eleitoral alfabetizada e votante, já que se tornou partido político de anseios presidenciais. Nesse sentido, a AIB fundou escolas nos núcleos espalhados por diversas regiões brasileiras e realizou investimentos para fazer funcionar os estabelecimentos de ensino que criava.
Preparou os professores por meio dos cursos que organizava e propagou esses cursos entre os militantes inscritos em suas fileiras, almejando, com tais medidas, a alfabetização, escolarização e doutrinamento dos seus membros. Com essas e várias outras escolas postas em funcionamento o integralismo intentava alfabetizar e doutrinar seus militantes para que fossem obedientes e para que construíssem uma nova Nação. Compreendia-se que educando e, destacadamente, “doutrinando a massa brasileira, eternamente explorada”, os integralistas haveriam de construir uma “Nação forte, poderosa e instruída”, mas não só isto, pois o principal é que essa Nação fosse disciplinada e subserviente.
Um dos aspectos emblemáticos que pode servir para sintetizar o esforço dos integralistas em cristalizar na memória coletiva de seus militantes as lembranças de seus mártires foi a prática de batizarem as escolas com os nomes desses militantes mortos, um objetivo claro de criar os mártires da AIB. Ou seja: ao morrer, o integralista continuaria servindo ao partido, só que, agora, com algumas peculiaridades: o espaço de organização no post mortem seria a chamada Milícia do Além. Seu comandante seria ninguém menos que Deus. Por mais elementar que possa parecer, a simples concepção de que um integralista seria eterno foi um dos elementos essenciais que, possivelmente, durante os conflitos de rua com forças antintegralistas, serviu de força, impulsionou e encorajou os novos militantes no sentido de se mirarem no exemplo dos mártires do integralismo.
Como o dito acima, a Ação Integralista conquistou mais de um milhão de adeptos no país. A participação patense, de tradição fortemente republicana, mostrou-se irrisória, de acordo com documentos do Arquivo Público Mineiro. Na tentativa de fomentar a busca por mais participantes, a AIB procurou encontrar apoio no meio feminino. Uma carta (Boletim n.º 17) da Provincia de Minas Geraes (Bello Horizonte)-Secretaria Provincial de Organização-Departamento Provincial Feminino, datada de 26 de julho de 1935, faz indicações a diversos chefes municipais (sem a citação dos nomes). Com relação a Patos, está escrito:
Poderia nomear a companheira Maria Araujo de Amorim para o cargo de Chefe do Departamento Municipal Feminino. Peço remeter com a maxima urgência, uma relação detalhada das companheiras já integralistas. Seguirão instrucções por carta.
Na carta não consta o nome do Chefe Patense, mas este é citado em outros documentos. Coube ao Dr. Affonso Corrêa Borges, o 1.º dentista de Patos de Minas¹, a comandar a AIB no município. Dr. Affonso era também jornalista (jornal Voz do Oeste) e formador de opinião, mas não se sabe se ele aderiu à causa espontaneamente ou se foi convidado, e principalmente os motivos que o levaram a se tornar um camisa verde.
Enquanto Belo Horizonte e Patos trocavam correspondências, o Governo de Getúlio Vargas “vigiava” a Ação Integralista patense e a movimentação de seus adeptos. Era preocupação constante monitorar e saber realmente quantos e quais eram os “inimigos”. Para tanto, em 26 de outubro de 1936 (ofício n.º 12.002), o Delegado de Ordem Pública do Estado de Minas (sem citação do nome) solicitou ao Delegado Especial de Patos, 2.º Tenente Geraldo Vieira dos Santos, relacionar os integrantes do movimento. Ele respondeu em 05 de novembro apontando os nomes e respectivas profissões:
Acyr Teixeira Borges (Estudante), Affonso Borges Filho (Estudante), Affonso Corrêa Borges (Dentista), Anedino da Silva (Pedreiro), Antonio da Rocha Filgueira (Empregado no commercio), Antonio de Padua Cordeiro (Garimpeiro), Epaminondas Rocha (Pedreiro), Francisco José dos Santos (Carpinteiro), Guilherme Corrêa Borges (Mecanico), Hildo Rochael de Oliveira (Photographo), João Marques da Silva (Lavrador), João Ribeiro de Souza (Lavrador), Jonas Abbadia Gomes (Sapateiro), José Alves de Britto (Ferreiro), José Francisco dos Santos (Pedreiro), José Froés da Gama (Fazendeiro), José Gonçalves de Amorim (Agrimensor), José Pereira Rosa (Pedreiro), José Rodrigues de Almeida (Empregado no commercio), José Vicente de Souza (Lavrador), Lauro de Lima Cordeiro (Garimpeiro), Leopoldo de Padua Lima (Empregado no commercio), Lindelpho de Padua Lima (Selleiro), Lucio Chaves de Barros (Bombeiro), Melchiades de Souza Lima (padeiro), Modesto de Mello Ribeiro (Comerciante), Pedro Levino Cototi (Barbeiro), Roberto Martins Ferreira (Carpinteiro), Vicente José dos Santos (Pedreiro), Vitalino Marques da Silva (Lavrador), Zacharias Gonçalves Pinto (Lavrador).
Se o trabalho de investigação do delegado foi preciso ou o mais próximo possível da realidade, esta lista de “apenas” 31 pessoas vislumbra a pequena aceitação do integralismo na cidade. Sem a presença de nenhum membro do “escol”, apenas dois nomes se destacam: Dr. Affonso Corrêa Borges, o Chefe do Núcleo local, e Modesto de Mello Ribeiro, que é citado como sendo comerciante. Como se sabe, Modesto foi um dos mais renomados professores patenses e sua biografia é extensa. Por que citá-lo como “comerciante” e não como “professor”? Seria um caso de homônimo?² Outra curiosidade é a ausência de mulheres na lista, principalmente por causa da carta de 26/07/1935 que sugere a nomeação de Maria Araujo de Amorim para o cargo de Chefe do Departamento Municipal Feminino e a solicitação, com a máxima urgência, de uma relação detalhada das companheiras já integralistas.
Osolino de Aguiar Tavares era um membro ativo, uma espécie de “braço direito” de Plínio Salgado. Em 1936 ele foi enviado à Província de Mato Grosso para implementar medidas organizativas do movimento. Ele visitou todas as regiões administrativas, realizando as atividades propostas pelo Chefe, dentre elas a inauguração de núcleos, a intensificação das estratégias de propaganda e a criação de escolas. Oito meses antes de Getúlio Vargas ter oprimido os objetivos da AIB, Osolino enviou esta carta ao Dr. Affonso:
Bello Horizonte, 22 de março de 1937
Prezado comp. Dr. Affonso Corrêa Borges.
– PATOS-
Aproveitando a opportunidade da ida de um companheiro para esses lados, envio, por seu intermedio, aos queridos alumnos da escola que tem o meu nome um vidro de tinta e uma medalha, que deverá ser conferida ao que melhores notas conseguir, no fim do anno, nos exames.
De accordo com as instrucções baixadas no “Monitor Integralista”, ficou estabelecido a substituição dos nomes de pessoas vivas, dados à escolas e outras instituições, por nomes de patrícios já fallecidos. Aliás, mesmo antes da sahida dessa ordem, assim já havia pensado. Ficarei sempre grato ao querido Chefe de Patos e aos seus bravos camisas-verdes pela homenagem que desejaram prestar aos esforços que tenho, nestes quatro annos, dispendido em pról da evolução do Integralismo em nossa gloriosa Provincia.
Peço venia para lembrar um nome para a escola de Patos. Há 3 dias houve em Nova Lima um desastre de automovel, perecendo dois denodados camisas-verdes. Ambos jovens e operários. Peço-lhe, pois, denominar a sua escola de “Escola Vicente Bernardino de Senna” e comunicar ao sr. Chefe Provincial essa escolha.
Fazendo votos pelo constante progresso do Integralismo nessa futurosa região, aqui fica sempre ao dispor dos queridos camisas-verdes de Patos, o companheiro e amigo
(ass.) Osolino Tavares.
Rua dos Caetés, 613 – Sala 3.
Não há registros oficiais a respeito da presença desta escola em Patos de Minas. Geraldo Fonseca, em seu livro Domínio de Pecuários e Enxadachins, cita uma escola de propriedade de Affonso Corrêa Borges: Escola Nossa Senhora de Lourdes, primária, fundada por Afonso Borges, em 1943 e extinta em 1946. Oliveira Mello, em Patos de Minas: Capital do Milho, também faz referência: Em 1943, em prédio próprio, na Rua Tiradentes, Afonso Borges funda a Escola Nossa Senhora de Lourdes, com o curso primário completo e professorado habilitado. Por motivos financeiros, infelizmente, esta escola deixou de funcionar em 1946. Outra referência sobre a Escola Nossa Senhora de Lourdes está em matéria publicada na edição de 13 de fevereiro de 1955 do jornal Correio de Patos³, que anuncia a criação da escola por Dirce, Maria da Penha e Ivone Olivieri na antiga sede do Tiro de Guerra na Rua Tiradentes.
A carta enviada por Osolino a Affonso Borges é datada de 22 de março de 1937 com a escola integralista já em funcionamento. Os historiadores registram que Affonso criou uma escola em 1943, e a imprensa registrou em 1955 outra com o mesmo nome e endereço. Como os dados não batem, a escola integralista patense fica, por enquanto, no anonimato.
Preocupada ainda com a possibilidade da participação de funcionários públicos, a Delegacia de Ordem Pública de Belo Horizonte solicitou informações ao Delegado de Polícia local (não citados os nomes). Este respondeu em 02 de setembro de 1937:
Em resposta ao vosso officio de 13 do passado, informo-vos que neste Municipio não existe funcionarios públicos filiados à doutrina integralista, e bem assim, quaesquer outros funcionarios, mesmo os federaes. Cordeaes saudações.
Tão logo Getúlio Vargas suprimiu a existência de qualquer tipo de agremiação política, Dr. Affonso Corrêa Borges resolveu por bem encerrar com suas atividades integralistas em Patos de Minas, como bem atesta um radiograma enviado a Belo Horizonte em 08 de dezembro de 1937, às 22:00h, pelo Delegado de Polícia patense, Edmundo Dias Maciel, ao Major Chefe de Policia (sem citar o nome):
Resposta radiograma v excia informo lhe achar se fechada séde núcleo integralista local vc não me sendo possivel obter chaves de vez que com chefe dr Affonso Corrêa Borges acha se ha dias nessa capital pl. Providencias dissolução partido foram aqui tomadas dentro maior (?) pt Saudç.
Poucos dias após, o delegado Orlando Moretzsohn, do Serviço de Investigações da Delegacia de Ordem Pública de Minas Gerais, enviou, por carta datada de 20 de dezembro de 1937, a resposta ao delegado Edmundo Dias Maciel:
De posse da vossa comunicação sobre o trancamento do núcleo integralista dessa cidade, declaro-vos, da ordem do snr. Major Chefe de Polícia, que deveis arrecadar todo o material de propaganda do extincto partido politico, resguardando-o nessa delegacia e entregando as chaves do predio ao interessado.
Em 1941, o Dr. Affonso tinha um amigo chamado Manoel Barbosa. Mais especificamente em 14 de dezembro daquele ano, o doutor enviou-lhe uma carta. De acordo com o dentista, o dileto estava promovendo reuniões políticas na zona rural como sendo autorizadas por ele. Gentilmente, demonstrando muito apreço pelo outro, Affonso afirma com convicção: Seja prudente, calmo e acima de tudo disciplinado e Patriota4.
* 1: Leia “Cine Magalhães e Gabinete Dentário Affonso Corrêa Borges – 1915”.
* 2: João Lucas Ribeiro Borges comenta: Permita-me uma observação com relação à possibilidade de homônimo de um dos líderes dos camisas verdes. Professor Modesto de Mello Ribeiro (meu avô materno) era pai do comerciante Modesto de Mello Ribeiro, o possível integralista, e no seu nome tinha “Júnior” e seu apelido era “Desto. Ele nasceu em 31/8/1910 e faleceu em 14/5/1998.
* 3: Leia “Escola Nossa Senhora de Lourdes”. João Lucas Ribeiro Borges comenta: A Escola da Rua Tiradentes fundada por Affonso Correa Borges, irmão do meu pai, Dr. João Borges, era dirigida pela sua filha Imezinha. Antes da Escola, Imezinha dava aulas em uma das salas ao lado do Consultório do Pai, Praça Dom Eduardo. Ali iniciei meus primeiros contatos estudantis.
* 4: Leia “De Affonso Corrêa Borges Para Manoel Barbosa”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: Arquivo Público Mineiro; Morte e memória – a necrofilia política da Ação Integralista Brasileira (AIB), de Pedro Ernesto Fagundes; Educação e Escolas na Ação Integralista Brasileira, de Renata Duarte Simões.
* Foto 1: Original da carta de Osolino de Aguiar Tavares enviada ao Dr. Affonso Corrêa Borges, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam
* Foto 2: Primeira folha da carta em que o Delegado Especial de Patos envia a Belo Horizonte os nomes dos integralistas patenses, do Arquivo Público Mineiro.
* Foto 3: Radiograma em que o Delegado patense Edmundo Dias Maciel comunica a Belo Horizonte que a sede do Integralismo patense estava fechada, do Arquivo Publico Mineiro.