JORNAL FOLHA DIOCESANA E RÁDIO CLUBE DE PATOS SE ESTRANHAM EM 1967

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digitalizar0003Desde quando surgiu a música caipira ou sertaneja não demorou muito para as rádios criarem programas próprios com personagens típicos e uma característica quase que geral no que se referia ao modo de falar ao microfone dos radialistas do gênero: linguajar caipira e abusivo nos erros de português. Para muitos ouvintes este modo de imitar os sertanejos soava falso. Em 1967 este linguajar “falso” incomodava e muito o editorial do jornal Folha Diocesana. Tanto é que a sua edição de 02 de março daquele ano publicou uma matéria com o título “Mais Carinho Para Com a Nossa Língua”:

Não é pedantismo, não é luxo, nem vaidade, mas obrigação nossa falar bem a língua mãe. Muitos literatos consideram como assassino da pátria quem assassina a própria língua.

Barbarismo, solecismos, anglicismos, francesismos, germanismos são ervas daninhas que medram junto às flôres da nossa linguagem. Essas pragas crescem viçosas, danificam e matam a boa semente.

Falar ou escrever com correção, não é privilégio de ninguém, contudo uma obrigação de todos nós. Poderemos medir o nosso civismo pelo cultivo à língua. Truncá-la, desmantelá-la, envenená-la, corrompê-la é sinal de que não amamos a pátria. Nada é mais próprio, mais característico nosso do que a língua, pois nos identifica com a pátria. Por isso, falar bem é distinção, fineza, carinho, amor à nossa pátria.

Não confundamos um falar bárbaro, displicente, inculto, que faz parte do nosso folclore, chamado “caipira” com a imitação burlesca, antinatural, artificiosa apresentada por certos programas de rádio. A imprensa, o rádio têm por finalidade não só informar, mas também formar. Ainda mais nos dias atuais que a penetração do rádio, em todos os ambientes, é intensa e acentuada.

Em nossa região campesina o programa mais ouvido talvez seja o denominado “caipira” ou sertanejo. Até ai não há nada contra. A questão que, além de ser o que ocupa maior tempo na programação, possui uma leva de locutores ou produtores que arrasam a nossa língua. Avacalham-na e matam-na. Não é folclore, não é nada. Simplesmente uma destruição. Vai destruindo o falar de nosso homem do campo que, muitas vêzes, ouvindo um horror de linguagem através do rádio, pensa daquela maneira estar certa e não a sua e passa a falar mais errado ainda.

Se nesses programas fôsse pelo menos uma linguagem natural, inculta, própria e adequada, poderíamos dizer que constituiria arte folclórica. Nada de contra poderíamos ter. Mas do jeito que ainda é que não pode.

Tenhamos, portanto, zêlo, carinho para com a nossa língua, não a desprezemos, não a assassinemos.

Tal matéria deu o que falar em Patos de Minas e além, pois a Rádio Clube de Patos era ouvida fora das fronteiras do Estado de Minas Gerais. Localmente, a crítica não agradou ao pessoal da Rádio Clube e uma maneira que encontraram para hostilizar as palavras da Folha Diocesana foi a galhofa, isto é, aqueles radialistas que apresentavam os programas sertanejos passaram a zombar do conteúdo “discriminatório” da matéria. Imediatamente, na edição de 16 de março, a Folha Diocesana publicou a resposta:

Às 6.40 horas de 11 pp. no programa sertanejo, os seus apresentadores, estavam galhofando do nosso editorial de 2 pp.: “Mais carinho para com a nossa língua!” Muitos nos admirou isto. Pois êles, como os líderes, os cabeças de uma grande porção do Município deveriam dar-nos todo o apoio e serem os primeiros a lutar, a trabalhar para conseguirem o que falávamos no nosso editorial. Pois é ensinando que se aprende. E a grande lei da pedagogia é ensinar certo, correto.

Uma estação de rádio, através de seus diversos programas, possui a finalidade de educar através da diversão. Uma grande missão, um grande ato. Os programas sertanejos, êles também existem para praticar ato bom, para ensinar e destruir o nosso povo, não para deseducá-lo. Por isto mesmo os criadores dos programas devem ser pessoas de cultura e conhecimento. Os nossos autores dos programas sertanejos da estação de rádio local, por certo, são homens instruídos e capazes, pois se tal não fossem não estariam à frente de tão importante programação.

Os Diretores da Rádio, Srs. Wulfrano Patrício Filho e Dr. Omar Alves Tibúrcio, que tudo estão fazendo para a colocar entre uma das melhores do Estado, não os admitiriam à frente de uma programação tão houvida e tão solicitada pelo nosso homem rural. Esperamos que êles nos entendam e nos auxiliem nesta nobre missão de educar e levar a nossa língua, “Última flor do Lácio, inculta e bela”, pois a nossa finalidade, rádio e jornal, é educar, instruir e informar, dentro dos princípios sadios da moral cristã e cívica.

Falar e escrever bem uma língua é um ato de moralidade altamente cívica. Por isto que os Srs. Dr. Omar Alves Tibúrcio e Wulfrano Patrício Filho escrevem suas programações num português escorreito e elegante, não por pedantismo como querem os senhores apresentadores dos programas sertanejos local.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fonte: Arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Cumpadre Formiga (Padre Tomas Atílio Olivieri) com a dupla Tuta e Chico na década de 1950, do livro Rádio Clube – Setenta Anos e Suas Histórias de Adamar Gomes.

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