No início dos anos 1800, “Os Patos” tinha mais habitantes do que Sant’Ana da Barra do Espírito Santo (hoje o distrito Santana de Patos). Não obstante, Sant’Ana foi elevada a distrito em 1827, porque o lugar possuía, desde 1822, o patrimônio doado por dona Ana Soares da Encarnação. O que não acontecia a “Os Patos”. Mesmo bastante habitado, o lugarejo não podia aspirar a condição de simples arraial. Faltava-lhe o patrimônio para a “capela e comodidade dos habitantes”.
Entre livres e escravos, “Os Patos” tinha, em 1826, mais de 700 habitantes. A arraialete marginal ao Paranaíba tinha possibilidades de progresso. Mas não tinha capela. A situação começou a ficar favorável em 19 de julho de 1826, quando Antônio Joaquim da Silva Guerra e sua esposa Luzia Corrêa de Andrade doaram uma parte de sua fazenda “Os Patos” para a edificação de um templo ao Santo Antônio de Lisboa e “para maior comodidade dos povos”. O gesto foi importantíssimo para o progresso do local, caso contrário o lugarejo não passaria das poucas casas no caminho para Paracatu.
Mas, mesmo com a doação acontecendo em 1826, o tempo passou e o lugar continuava sem capela benta ou imagem colocada da invocação. De acordo com a Diocese de Patos de Minas, o padre José de Brito atendeu o lugar do ano de 1831 a 1839, quando foi, finalmente, construída a primeira capela, dedicada a Santo Antônio como bem queriam os doadores da terra.
A 1.ª Igreja Matriz de Patos de Minas, demolida em 1965, marcava o local da primitiva capela de Santo Antônio, na qual era adotada a imagem do santo de Lisboa. O templo antigo constituía um dos últimos monumentos da cidade, de relativa antiguidade. Em seu estado definitivo, como o conhecemos nos anos de 1930, tinha parte da capela, acrescida da nave e de uma torre única. Em relatório do padre Manoel de Brito, vemos que duas eram as torres. Ao redor e no seu interior, faziam-se os sepultamentos, até que uma lei veio por termo a esta prática. Igualmente, o adro da capela do Rosário, quase em frente ao prédio onde hoje é a Rádio Clube de Patos, serviu de cemitério, até ser construído o primeiro, administrado pela Câmara, em terreno nas esquinas das Ruas Tiradentes e Olegário Maciel.
O primeiro acréscimo na primitiva capela, supomos, deve ter sido feito por volta de 1850, quando a lei 472, de 31 de maio, em seu artigo 16, mudou a sede da Freguesia de São Francisco das Chagas do Campo Grande para a Capela de Santo Antônio dos Patos, nela ficando compreendidos os Curatos de Campo Grande e Carmo do Arraial Novo. Campo Grande, quatro anos antes, pela lei 312, de 8 de abril de 1846, § 2.º, fora elevado a paróquia, compreendendo as aplicações dos Tiros da Freguesia das Dores do Areado e de Santo Antônio dos Patos da Freguesia do Patrocínio e uma pequena parte da Freguesia dos Alegres.
A supressão da Paróquia de Campo Grande, que voltou à condição de Curato, submisso a Santo Antônio dos Patos, deu ao último a condição paroquial. A 22 de dezembro de 1852, respondendo a uma circular do Governo sobre o estado das matrizes da Província, padre Manoel de Brito Freire informa: “A Matriz nada tem recebido dos cofres públicos, e a sua conclusão é orçada em 2:000$000 (dois contos de réis). Possui ornamentos para o uso ordinário e carece de todos os mais necessários para as solenidades”.
Os governos davam pouca atenção aos templos das regiões de agricultura e pecuária. O povo dessas regiões, invariavelmente, era de um pauperismo contristador. O patense não fugia à regra. Enquanto capelas e matrizes das zonas auríferas ostentavam custosos altares, artísticos frontispícios, as demais caiam aos pedaços, não pelo descaso dos habitantes de parcos recursos, mas, porque competia ao Governo o zelo pelos templos e a paga dos párocos.
As circulares eram abrangentes, remetidas a todos os párocos da Província. Em 1884, mais uma chega às mãos do padre Manoel de Brito, para que informasse o estado da Matriz. O pároco responde, em 4 de junho, que o estado da matriz não é nada satisfatório. Sem as torres. O acampamento por concluir-se. Sem batistério. Os púlpitos apenas com grades. O altar mor e os dois laterais em sua primitiva construção, “nem ao menos caiados”. O telhado carecendo de grandes reparos. Faltando, ainda, muitas alfaias e ornamentos. Continuando, o vigário informa que a “Matriz está sem fabriqueiro. Os interesses da matriz, até esta data, estão desprezados”. E que “a Matriz não possui bens de natureza alguma”.
Logo a seguir vem o orçamento do que a Matriz necessita e respectivos custos: torre da igreja, 600$000; conclusão do acampamento, 100$000; pia feita de madeira ou batistério, 250$000; púlpitos, 350$000; pintura e douração de três altares, 2:500$000; retalhar e branquear a matriz toda, 600$000 – Total: 4:800$000. Alfaias de que muito se precisa: uma cômoda grande, 200$000; quatro mesas, 80$000; uma escada para lâmpada, 25$000; cruzes de bom gosto, posto que de madeira, 80$000; seis duzias de toxas, 60$000; uma duzia de lanternas, 30$000; seis cadeiras de palhinha, 42$000 – Total: 577$000. E mais, um turíbulo de prata, uma cadeirinha de metal, uma custódia rica, duas duzias de castiçaes de metal ricos, uma campainha grande. Há extrema necessidade de: um ornamento com todo necessário para se cantar missa solene (não tem nenhum); duas capas d’asperge branca e rocha; um pálio com seis varas; três frontaes roxas; oitenta opas de durante, sendo 20 vermelhas, 40 brancas e 20 verdes; um pavilhão; um estandarte; vinte capas de damasco, sendo 10 carmesin, 5 brancas e 5 amarelas; três peças de brim de 1.ª branco para alvas e toalhas; três tapetes supedames.
Não estava certo o padre Manoel de Brito, quando informou: “A Matriz não possui bens de natureza alguma”. Três anos depois, em 1855, aos párocos foi solicitado trabalho da maior importância – o registro dos proprietários e respectivas glebas de terras jurisdicionadas pelas paróquias. O levantamento em Santo Antônio dos Patos foi realizado pelo padre Manoel de Brito Freire, tendo como escrivão Antônio José dos Santos e Formiguinha. No livro, em poder do Arquivo Público Mineiro, está o seguinte lançamento, feito a 29 de maio de 1855:
O mesmo Santo Antônio é dono de um terreno de matos e campos no lugar denominado Patos, sito nesta freguesia, e divisa com Joaquim José de Sant’Ana, Pedro Corrêa de Andrade, pelo fundo com o Rio Paranaíba, com Antônio de Jesus Tolentino, Simão Caetano Gonçalves, José Alves Pereira, Domingos Ulhoa, e com os herdeiros do finado capitão Manoel Joaquim de Souza, e outros, compreendendo o arraial, assim mais na cabeceira da água que fornece o arraial um alqueire e meio de cultura, divisando com José Joaquim de Sant’Ana e Francisco Ribeiro Indalescio.
Ou o que pertencia ao santo não era propriedade da Matriz, ou o vigário omitiu a informação, que deu mais tarde, em 1855.
Em 1867, por escritura pública, o povo se compromete a construir a cadeia e a casa de Câmera, sendo o que a Vila não seria instalada. Assim, o pouco que a Igreja recebia dos fiéis e nada da parte do Governo, levou à ruína sua construção precaríssima. A lei 2.024, de 1.º de dezembro de 1873 determinou uma ajuda de três contos de réis para reparos na Matriz. Determinou, mas não deu a verba. O padre Manoel de Brito Freire não teve o prazer de ver restaurada e paramentada a sua Igreja Matriz. Faleceu em 1875.
Ao assumir a paróquia, uma das primeiras medidas do padre Getúlio Alves de Mello foi um entendimento com o Governo para formação de uma Comissão Diretora das Obras da Matriz. O Governo orçando a receita e fixando a despesa da Província para o ano financeiro de 1876, concedeu 2:000$000 para reparos da Matriz. A lei 2.277, de 8 de junho de 1876, autorizou e concedeu duas loterias à Matriz da Patos “para sua reconstrução e compra de alfaias”, cujo plano é o seguinte:
1.800 bilhetes a 10$ – 18:000$; 1 prêmio de 5:000$; 1 dito de 1:000$; 2 ditos de 500$ – 1:000$; 4 ditos de 200$ – 800$; 4 ditos de 100$ – 400$; 9 ditos de 40$ – 360$; 20 ditos de 20$ – 400$; 559 ditos de 10$ – 5:590$; despesas de extração – 210$; porcentagem de 1% ao tesoureiro – 180$; dita de terça parte dela ao escrivão – 60$; benefício de concessão – 4:000$.
Tão logo receberam a notícia, uma correspondência foi remetida ao Governo, nos seguintes termos:
Excelentíssimo Senhor:
Havendo várias leis provinciais votado quotas para as obras da Matriz desta Vila, que tocam a três contos de réis, bem como uma que concede duas loterias para o mesmo fim, resultando delas um benefício de seis contos de réis, formam essas diversas quantias uma soma de nove contos.
A Matriz de Patos sendo pequena, e, carecendo de grandes consertos, que sobem a não pequena quantia, os habitantes desta Vila, animados por tão lisonjeiro auxílio, resolveram construir uma nova Matriz.
Elegeu-se uma comissão diretora, com estatutos, e abertas as subscrições dão um resultado bem acoroçoador, e já começou-se na obra tendo um plano do engenheiro Bello a seguir-se. Essas subscrições, porém, por mais animadoras que sejam, nunca serão suficientes para a construção d’um Templo de melhores proporções, e de sólida construção.
Em vista do exposto, vem esta Câmara perante V. Excia., que se tem mostrado benigno a este lugar, pedir instantaneamente a entrega dos 3 contos de réis, sendo um votado pela lei n.º 2.024, de 1.º de dezembro de 1873 e dous pela de n.º 2.314, de 11 de julho do corrente ano.
Bem assim imploram a V. Excia., a graça de mandar por em execução a lei n.º 2.277, de 8 de julho último, dignando-se V. Excia. marcar em 1.º lugar a extração das loterias concedidas à Matriz desta Vila, visto a extraordinária precisão que há para se continuar com a nova construção.
Em virtude da citada lei n.º 2.277, esta Câmara toma a liberdade d’indicar o Revmo. Vigário desta Vila, Padre Getúlio Alves de Mello, para o presidente das loterias, para escrivão o cidadão Manoel Francisco dos Santos, e para os dous fiscais os cidadãos Francisco de Paula Negreiros de Macedo e Joaquim Pereira de Queiroz.
Esta Câmara espera de V. Excia. tudo, e assim ficará tranquila que o seu pedido será atendido.
Deus guarde a V. Excia.
Paço da Câmara Municipal da Vila de Patos, em sessão ordinária em 1.º de novembro de 1876.
Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor Presidente desta Província de Minas Gerais.
(aa) Paulino Santos Pitangui e Manoel José Caixeta.
Voltemos ao documento, para ligeira observação. Textualmente, vemos que “os habitantes animados por tão lisonjeiro auxílio, resolveram construir uma nova Matriz”. Mais adiante afirma-se “já começou-se na obra, tendo um plano do engenheiro Bello a seguir-se”. O engenheiro era o dr. Manoel de Faria Bello que, em 1878, projetou a ponte de madeira sobre o Paranaíba, na entrada de Patos. Ainda destacamos outro trecho: “… a extraordinária precisão que há para se continuar com a nova construção”.
Assim, fica comprovado que em 1875, mais ou menos, Santo Antônio dos Patos demoliu as partes da antiga capela e modificações posteriores, dando início, mediante projeto de um engenheiro, à construção de uma nova Matriz.
As obras tomam ritmo apreciável até 1878, quando exoneram-se os membros da Comissão Construtora, Antônio Corrêa da Silva e Antônio de Jesus Tolentino. O padre Getúlio ocupa uma das vagas, e o capitão Jerônimo Dias Maciel a outra.
No tocante às alfaias, a situação continuava clamorosa. A 16 de setembro de 1877, padre Getúlio pede à Assembléia Provincial uma quota de 500$000, destinada unicamente às alfaias, de sua matriz, informando que “o estado daquela Matriz, exmos. snrs., é tão deplorável a respeito de ornamentos, que os atos sagrados de nossa Santa Religião não se podem nela celebrar por falta absoluta de alfaias; o augusto e venerando sacrifício da Missa não se celebra com a decência e majestade devidas”.
Por ocasião das festas da Assunção, de 1892, esteve em Patos o pregador dominicano frei Raimundo Affonso. Do púlpito, em sua pregação das Santas Missões, ele chamou aos brios os patenses para um retoque na Matriz e a construção de um novo templo. Fez sentir que Patos acabava de ganhar foros de cidade, esperava a passagem de uma estrada de ferro, e nem ao menos possuía um templo digno dos atos divinos.
Suas palavras encontraram eco. Uma comissão liderada pelo dr. Olegário Dias Maciel determinou os retoques e lançou subscrição para a construção de nova Matriz.
A primeira ação para demolir a antiga Matriz, veio em 1956, com uma nota de Antônio de Mendonça Pinheiro, publicada na edição de 02 de outubro do Jornal dos Municípios:
O TEMPO E O TEMPO. Era o que, ao assistir, outro dia, de longe, a demolição que se procedia na velha Igreja Matriz, iria eu escrever para esta coluna. Ao aproximar-me, no entanto, da mesma e indagando dos operários que lá trabalhavam, soube que somente a torre seria desmanchada. Ela que já estava mesmo caindo sôb a ação do tempo, que ia fazendo das suas. Como dizia, as minhas considerações seriam outras em tôrno da velha Matriz, velha, sim, com os seus 114 anos “no lombo”, se desaparecesse agora, totalmente. Mas foi a torre, apenas, abaixo, embora signifique já qualquer coisa de grandioso que o Tempo vai nos roubando… Roubando-me, também, os meus dizeres completos de o Tempo e o Tempo…
Continuemos, pois, a olhar o côrpo agora da outrora grande Igreja Matriz, até que nos dê, amanhã, o seu adeus definitivo, materialmente, é claro. Mas para até lá, que não sabemos quando, estariamos presentes? Aqui, portanto, fica o meu primeiro adeus, velha Matriz!
* Fonte: Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.
* Foto 1: Do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 04/04/2014 com o título “Largo da Matriz na Década de 1910”.
* Foto 2: Do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 01/02/2013 com o título “Largo da Matriz na Década de 1940”.