Em 1925, era esta a população de bovinos em Patos: 40.732, dos quais 19 Guzerat, 12 Nellore, e 2 Switzerland. Era a criação à solta, sem maiores cuidados, espalhada por pastagens pródigas todo o ano. A escassez de sal era compensada pelo capinzal de ótima qualidade e quantidade, pelo clima favorável e fartas aguadas.
As boiadas, tangidas ao som lúgubre dos berrantes e o aboio cadenciado dos boiadeiros, cortavam a cidade, indo abastecer as grandes charqueadas, notadamente de Barretos, em São Paulo. A Praça dos Boiadeiros (hoje Abner Afonso) era ponto de encontro dos condutores de gado. Zona de alta produção pecuária, Patos nunca se interessou pela industrialização do gado. Naqueles tempos, o coronel Arthur Thomaz de Magalhães (proprietário do Cine Magalhães) anunciava pelo jornal que tinha pastagens fartas à disposição dos boiadeiros para invernar mais de 2 mil bois, e eram famosos os boiadeiros Pantaleão, Zeca Milota, Pedro Corumbista e Marianinho. Isto, até a década de 1940, quando o panorama começou a mudar, havendo uma transformação radical. Fator preponderante foi o empréstimo que o governo de Getúlio Vargas abriu, amplo e farto, aos pecuaristas para a aquisição de gado da raça Zebu. O que pôde ser sentido em Patos de Minas foi algo de indescritível. De repente a cidade, o município inteiro, saiu de uma letargia extenuante. Uma agência do Banco do Brasil se instalou na cidade e o dinheiro correu à vontade, dentro dos canais exigidos para os empréstimos. O tanto de zebus que entraram no Município igualava-se ao de meretrizes que engrossavam o baixo mundo, atraídas pelo dinheiro à farta. Lojas decadentes tiveram seus negócios em ascensão repentina, os artigos de vestuário ganharam novo requinte e as noitadas nos cabarés e “puxa-facas” caminhavam pela madrugada, encontrando o dia seguinte. Aqui, a parte profana do negócio.
De positivo, em que pese o arrocho dado pelo Governo para o recebimento dos empréstimos e da mora, ficou um tipo diferente de fazendeiro: roceiro ou criador. Fazendolas ganharam novas sedes, vias de acesso foram abertas ou reparadas, e uma melhoria generalizada se fez sentir em todos os ramos de atividade. O gado, com sangue zebuíno e de outras raças, foi valorizado qualitativamente, ganhando condições adequadas para sua criação. Mesmo o curraleiro, deixado ao Deus-dará, passou a ser melhor considerado.
No ano de 1944, quando Patos já não era Patos e sim Guaratinga¹, o assunto zebu dominava todas as rodas de conversa da cidade, notadamente aquelas providas de posses. Falava-se tanto na raça indiana que o jornal Folha de Patos, em sua edição de 27 de fevereiro, publicou a seguinte matéria, com o título GADOMANIA:
Guaratinga não é somente a terra dos mendigos e o paraiso dos jogadores. Sofre, atualmente, de uma molestia interessante. Seus habitantes estão atacados de “gadomania”. Há dias tivemos oportunidade de ouvir a conversação de cinco bachareis, cujos nomes declinamos com prazer. Eram eles os advogados Antonio Dias Maciel, Jaques Corrêa da Costa, Zama Alves Tiburcio, Ernani de Morais Lemos e Delfim Borges da Fonseca. Esperavamos escutar qualquer comentário sobre a Carta Constitucional, que rege o Estado Novo; as ultimas novidades sobre as letras juridicas, tão fecundas nos dias que correm; apreciações sobre a atitude demasiadamente severa do Tribunal de Apelação, interpretando erroneamente a artigo 605 do Codigo do Processo Penal; qualquer queixa motivada acerca do arrocho fiscal do nosso distinto amigo Cel. José Antonio da Silva; ou mesmo algum adeantamento mais liberal e ousado sobre a volta do país ao regime antigo, quando havia a perniciosa licenciosidade da imprensa, exageradamente livre, quando, afinal, ouvimos contristados uma longa perlenga sobre zebús, suas variedades principais, o cumprimento de suas orelhas, as linhas do seu tronco, a conformação dos chifres, a largura da testa, etc. etc.
Aqui não se fala em outra cousa, não se admite cousa alguma alem ou aquem do indubrasil, do gir, do guzerá e do nelore.
Fiquei atordoado a principio, com a palestra tão animada, tão pobre de frases de cunho jurídico, tão cheias de vida e demonstrações da mais vibrante de todas as alegrias.
Meu espanto não parou aí. Pouco depois, o notavel cirurgião Paulo Brandão aproximava-se do grupo, no meu entender, para desmanchar o contentamento, que ali reinava entre todos, com algum caso novo e interessante da sua grande clínica. Tal não se deu, porem, pois, o dr. Paulo se tornou eloquente, abrindo-se em considerações sobre as qualidades excepcionais de um novo tourinho vermelho, que possue, inferior ao aragão do dr. Zama, da mesma idade e raça, segundo as condições que a turma chegou, após demorada discursão.
Comecei a pensar comigo mesmo. Até aonde iremos chegar? Depois… pensamento atrae pensamento, e eu me recordei do tempo em que os Coroneis Farnese Maciel e Augusto Ferreira da Silva adquiriram os primeiros exemplares indianos para enriquecer os nossos rebanhos. Minha mentalidade começou de modificar-se. Julgava que o négocio de zebú aqui, no municipio, devia ser conversa, apenas, entre os fortes criadores Abner Afonso, dr. Itagiba, José Alves, Olegario Tiburcio, os Piaus, cel. Antonio Pacheco Tonheco e filhos entre muitos outros. Mas, a cousa, agora é bem diferente. Os bachareis e os medicos esquecem-se dos autos e dos infermos para enaltecer a majestade invulgar e dominadora do gado que enriqueceu o triangulo de Minas. O dr. Ernani conheceu melhor a simetria de um gavião de orelha Gir do que os meandros de um intrincado processo. O Jaques assenta com mais gravidade uma informação nova sobre os caracteristicos de um nelore do que observa as exigencias do Sr. Serpa Lopes, nos seus compêndios complicados sobre o registro de um imovel. Fazem exceção os dois banqueiros Moacir de Almeida e dr. Jonas Bessa. Ambos apreciam, compram e vendem caro os seus zebús, sem deixar de lado as junções judaicas de publicanos irredutiveis, colocando sempre as frases mais curtas que as orelhas e os juros mais altos dos que os cupins dos “bos indines”. Patos mudou de nome e de aspecto. Guaratinga está na curvatura de ser um grande centro de criadores de zebú, eis que, agora, todas as suas forças se conjugam sabiamente naquela direção. A tenacidade e a obsessão mesma do cel. Neca de Paula, de saudosa memoria, que teve a coragem de enfrentar a oposição dos mais altos representantes do poder publico estadual em favor do gado indiano, não podem ser olvidadas um só momento. Nós nos lembramos perfeitamente da ocasião em que ele galgou as escadarias do Palacio da Liberdade para falar ao Presidente Delfim Moreira sobre a excelência da raça que estava se adaptando aos nossos campos. Que ele venceu galhardamente aí estão os seus honrados descendentes, os Lemos que continuaram a sua obra indiferentes a todas as criticas e fieis aos ideais daquele velho de tempera, que foi chefe de familia e chefe politico de real prestigio. Tudo indica que Guaratinga vai marchar gloriosamente neste sentido, ampliando as suas possibilidades produtoras. Não se faz necessario ter na cabeça a tecnica de um Moacir Novais ou o entusiasmo de um Otavio Maciel para enxergar tudo isso. Basta, apenas, ter olhos para ver e ouvidos para ouvir. A gadomania é uma esperança, uma certeza absoluta para Guaratinga. Bendita e gloriosa obsessão!
* 1: Leia “Dia em Que Patos Deixou de Ser Patos I, O” e “Dia em que Patos Deixou de Ser Patos II, O”.
* Fontes: Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca; jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Geneticazebu.blogspot.com.