TEXTO: JORNAL O COMMERCIO (1914)
Gatunos?!… Sim, gatunos. E’ preciso, porem, notar-se que não se trata de quadrilha. Isso de quadrilhas, só nos centros europeus ou Buenos-Aires. Não se trata nem siquer de gatunos, na rigorosa accepção d’esse termo; pois, graças ao bom Deus e á indole modelar do nosso povo, systematicamente refractaria á apropriar-se do que não é seu contra a vontade de seu dono, esse mesmo povo parece ter tomado por lema o: − Suum quique tribuere¹.
Não se afflija, nem estremeça, leitor amigo, que felizmente, disso não se fala. Apenas, vem se notando, de algum tempo à esta parte, um habito, que por sua natureza degradante, merece attenção publica, porque, de innocente que fosse, passa a ser imprudente e criminoso, qual seja o de penetrarem alguns desoccupados de modo subrepticio em quintaes alheios à cata de fructas, frangos, etc., e ás vezes, com tentativas mais ousadas, passando, por meio de arrombamentos, dos quintaes ás casas, como ha bem pouco tempo se deu na casa do nosso amigo Sebastião Mendonça, habito esse, repito, que está a merecer da parte da auctoridade competente o devido cuidado, afim de isso evitar-se, pois pode muito bem vir a dar-se o que por varias vezes se tem observado e as estatisticas fornecem muitos e tristes exemplos: − factos de individuos serem victimas em momentos de taes praticas.
Se me refiro á innocencia que pode ter em habito, é porque muitas vezes são garridas creanças que, nas horas vagas das aulas, ao deixarem a monotonia das carteiras e duros bancos, sempre avidos de brinquêdos e novidades, passam a pular os muros no intuito de se esconderem para serem pelos outros encontrados e, nesse intuito, as fructas que cahirem sobre suas vistas aguçadas, de ordinario, mesmo verdes, são por elles devoradas.
Imprudente e criminoso, porque aquelles á quem, ás vezes, é prohibido pelos respectivos donos entrarem em quintaes para apanhar fructas, a elles tornam sem o necessario consentimento e tambem os que fazem escalada à noite em quintaes e casas com fins inconfessaveis, assim tornando-se áquelles imprudentes e abusivos e estes criminosos, verdadeiros gatunos, para os quaes chama-se a attenção da policia.
E atè logo, bom leitor, que ahi vem um grupo de senhorinhas e… estamos no Carnaval!…
Patos, Fevereiro 914.
Xixi.
* 1: Dê a cada um o que lhe pertence, um dos pilares da Lei Romana estabelecidos pelo jurista Ulpian, (Gnaeus Domitius Annius Ulpian), tutor e conselheiro do Imperador Alexandre Severo. A expressão completa que aparece em Justinian’s Digest é esta: Iuris praecepta sunt haec : Honeste vivere , alterum non laedere , suum cuique tribuere . Estes são os preceitos da lei: viva honestamente, não faça mal a ninguém e dê a todos seus próprios.
* Fonte: Texto publicado sem título na edição de 1.º de março de 1914 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Primeiro parágrafo do texto original.