Na primeira fase do Covid-19, quando o comércio ainda se esbaldava em ajuntamento de pessoas, numa conhecida padaria localizada na Rua Major Gote uma jovem saboreava um sanduíche natural acompanhada de uma garrafinha de guaraná Artemis. De repente, sabe-se lá se foi por causa da folha de alface do sanduíche ou das borbulhas do refrigerante, sentiu uma necessidade extrema de soltar um pum. Na verdade não foi culpa da folha de alface ou do guaraná porque a moçoila adentrou à padaria com os gases já em ponto de erupção. Fazendo um esforço sobrenatural para impedir a saída do gás traiçoeiro pelo final da tubulação intestinal, ela, de soslaio, percebeu o intenso movimento no interior do estabelecimento comercial e, sentindo-se constrangida, trancou com tanta força o forame por onde o fluído gasoso tentava escapar que numa só piscadela do dito dava até para cortar arame.
Perspicaz, seus sensíveis ouvidos captaram um som musical que estava com o volume adequadamente apto a abafar o ruído que teimava em querer se manifestar fora de suas entranhas. E o bodum? Ora, quem poderia provar que era dela? E assim, mansamente, concomitante com os arranjos musicais, a cachopa aliviou o forame e o dito gasoso escafedeu-se no fatídico ato da flatulência. Após o tradicional ronco que todo mundo conhece, o incenso putrefato se espalhou por entre mesas, cadeiras e produtos alimentícios prontos para consumo. Ô alívio, suspirou a gaiata. E eis que ela foi soltando, pelo menos uns seis, para alegria de sua distendida pança.
Com a pança aliviada, a formosa garota, em pouco mais de cinco minutos, terminou o seu lanche. Como uma miss pronta para desfilar numa passarela, levantou-se, ajeitou o esbelto corpo, deu uma passada de olhos no ambiente e quando ia se dirigir ao caixa para pagar a conta reparou na cara de péssimos amigos dos clientes e de todos os funcionários encarando-a com olhares ferozes, de atroz belicosidade.
Uai, que foi que aconteceu para esse povo me enxovalhar assim com os olhares? Com esse simplório pensamento a guria chegou ao caixa. E os presentes encarando-a com uma vontade imensa de trucidá-la. A funcionária do caixa disse o valor da despesa. A novinha não ouviu. A funcionária do caixa repetiu, e o broto não ouviu novamente. Aí a funcionária do caixa apontou para os ouvidos da manceba. Foi nesse exato momento que caiu a ficha para a adolescente sobre as caras horripilantes dos presentes na padaria: ela estava com fone nos ouvidos e a tal música ambiente vinha do seu celular.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.