É fato que dos inúmeros forasteiros que aportaram em Patos de Minas nos idos tempos alguns se sobressaíram pela identificação com a cidade e se tornaram personagens que contribuíram para o seu progresso. Fernando Kitzinger Dannemann é um digno representante deste grupo de pessoas que num período muito curto de estadia e trabalho na nova terra se tornaram patenses de alma e coração. Ele resume numa pequena frase a sua vinda para cá: “Eu tinha um encontro marcado”.
Fernando tinha tudo para ser um “carioca” tradicional. Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 09 de agosto de 1932 e criado no bairro da Urca, é um dos quatro filhos de Eitel Dannemann e Adolphina Kitzinger Dannemann. Aos pés do Corcovado, viveu uma infância sadia ministrada ordeiramente pelos pais. Os primeiros estudos foram no Colégio Cristo Redentor. O Ginasial foi concluído no Colégio Santo Inácio em 1948, aos 16 anos de idade. Um ano após foi aprovado em concurso para a 1.ª Turma da Escola Preparatória de Cadetes do Ar localizada na cidade de Barbacena-MG. Foi então que a vida começou a lhe pregar “peças” desagradáveis. Com apenas cinco dias na Academia perdeu a mãe. Além da perda, lhe magoou a demora em ser liberado. “Fiquei revoltado, pois não pude ver o sepultamento de minha mãe. Tornei-me impaciente com o comandante e acabei me desligando da Aeronáutica quando completei um ano de Escola, tempo necessário para receber o Certificado de Reservista”.
Menos de dois anos após, Fernando perdeu o pai. “Fiquei completamente desorientado e só ficava imaginando o que deveria fazer. Ganhava pouco no trabalho, me desiludi com a cidade, aí resolvi procurar novos ares”. Daí até a sua chegada a Patos de Minas foi um carrossel de incertezas: esteve em Belo Horizonte, Pirapora, Sabará e Araxá. Nesta cidade conheceu o Dr. Armando Zema, patriarca da hoje rede de lojas “Zema”, que era o presidente do time de futebol Najá. Naquela época o Najá era membro da Liga de Araguari e as inscrições já estavam encerradas. Então, Dr. Zema escreveu uma carta de recomendação ao amigo Dr. Antônio Paulo Ximenes de Morais, de Patos de Minas, para que este lhe arranjasse alguma colocação até a próxima disputa do campeonato. “O Dr. Ximenes me recebeu bem, por causa da indicação do Dr. Zema. Não me lembro do dia nem do mês, mas foi no ano de 1951”.
Instalado pelo Dr. Ximenes na Pensão Ponto Chic, instalada no 2.º andar do edifício de mesmo nome (esquina da Rua Major Gote com General Osório), naquele mesmo dia o jovem Fernando, da janela apreciando a movimentação, viu pela primeira vez a sua futura esposa. O “encontro marcado” acabara de acontecer. Era Alda, filha de Deusdedit (Dero) Amaro Teixeira e Nair de Oliveira Barreto (D. Nila). Foi neste primeiro encontro de olhares que tudo mudou, e Araxá ficou para trás. Depois de um mês, Fernando e Alda começaram a namorar.
Passado um ano, não surgiram boas oportunidades de trabalho para o jovem carioca. Decepcionado, resolveu voltar para sua terra natal. Ficou pouco mais de 15 dias e partiu para Juiz de Fora e lá foi contratado pelo Tupi, time da cidade. Fazendo sucesso, chegou a receber uma proposta para jogar no Atlético Mineiro. Mas um desentendimento com o técnico do Tupi, Airton Moreira, o desanimou com o futebol. Sentindo muita saudade da namorada patense, em 1954 retornou a Patos de Minas.
O retorno mostrou-se positivo, pois logo foi trabalhar na Rádio Clube de Patos. A primeira experiência foi a apresentação do programa Hora da Saudade, às onze da noite, que tocava músicas românticas. Depois, comandou um programa esportivo que até hoje faz sucesso, o Bola na Rede. “No começo, tive alguns problemas com o meu sotaque carregado de ‘esses’, né, afinal eu sou carioca. Mas fiz o possível para mascarar até que, aos poucos, fui me encaixando na linguagem mineira”.
Em 1955, já totalmente integrado à cidade, Fernando iniciou a sua vida no futebol patense jogando pelo Mamoré. Em janeiro de 1956, juntamente com o amigo Jefferson Eli dos Santos (Preto) reativou o jornal Tribuna de Patos¹. Em 05 de maio, casou-se com a namorada Alda de Oliveira Teixeira. Menos de um mês antes do casamento, um artigo de sua autoria publicado na edição de 15 de abril² provocou irritação aos “coronéis” da época, sendo até convidado pelo delegado a deixar a cidade. Sua coragem e apoio dos amigos Mário da Fonseca Filho e Oswaldo Amorim fizeram-no ficar, enfrentando com dignidade aqueles opositores.
Fernando recorda com carinho e emoção o seu tempo de jogador no futebol patense. “Fiz muitos amigos, desde o Mamoré, onde joguei pouco tempo, e mais na URT por dez anos. Atuei também no Tupi, mas por pouco tempo. Tenho vários certificados de reconhecimento pelos trabalhos prestados à URT”. Em 1992, durante as comemorações do Centenário Patense, houve uma enquete para eleger os melhores jogadores da História do Futebol Patense. Fernando Kitzinger Dannemann foi eleito o melhor quarto-zagueiro que já vestiu a camisa da URT em todos os tempos. Hoje, sua opinião a respeito do futebol não é nada saudável. “Naquela época era o futebol amador, todos jogavam por amor à camisa e muitas vezes a gente ajudava o clube. Parei de jogar, acabou o encanto, quando o esporte começou a se profissionalizar. Hoje, não dá para apoiar estes times de aluguel que, ano após ano, só dão vexames”.
Outra atividade marcante na vida do craque da URT foi a atuação na área de Contabilidade. “Se não me engano foi em 1955 quando comecei a trabalhar auxiliando o Contador Acácio de Lucas. Aprendi tudo com ele, foi um grande amigo. Quando ele vendeu o escritório para o Sebastião Lélis Ferreira, outro grande amigo, tornei-me sócio. Tivemos outro escritório em Unaí. Depois dividimos e eu fiquei com o daqui”. Fernando trabalhou com Contabilidade até 1967, quando, cansado de corrigir erros dos empresários, resolveu criar a empresa de nome Rainha, que empacotava especiarias e fabricava doces. Mas não deu certo. “Infelizmente, tive um enorme prejuízo, desestruturou a minha vida. Já com cinco filhos e a Alda grávida do sexto, estava difícil manter a família. Como Patos de Minas não estava numa fase próspera, resolvi me mudar da cidade”.
Em 1969, Fernando se mudou para Niterói em busca da reestruturação. Trabalhando na empresa Tortuga, fabricante de produtos veterinários, residiu no Sul de Minas (Baependi, Caxambu e Varginha) e Belo Horizonte. Em 1977 recebeu um convite para trabalhar em outra empresa do ramo, Vallée Nordeste S/A. Nesta empresa, em somente três anos, passou de Pracista a Gerente Regional e depois Gerente Geral. E foi como Gerente Geral do Vallée que em dezembro de 1980 sofreu um sério acidente de carro próximo ao extinto Canal de São Simão, no Rio Paranaíba, divisa de Minas Gerais com Goiás, tendo uma fratura exposta na perna esquerda. Em Uberlândia, uma infecção hospitalar provocou-lhe uma Osteomielite (infecção da medula do osso). Com sérios riscos de gangrena, foi transferido para o Hospital Felício Roxo de Belo Horizonte, onde ficou internado doze meses e passou por sete cirurgias. Mesmo assim, ficou com sequelas permanentes na perna.
Aposentado por causa do acidente, Fernando optou por morar próximo ao mar. Escolheu a Praia da Costa, na cidade capixaba de Vila Velha. Mas não conseguia se desligar de sua cidade de coração. Sendo assim, de vez em quando passava um longo tempo aqui e outro longo tempo acolá. Certa vez, no início da década de 1990, resolveu meter-se com a produção de verduras e legumes na localidade de Sertãozinho. “Eu e a Alda gostamos muito de morar no sítio. Só que dava uma trabalheira danada e a necessidade de sempre usar veneno foi me chateando. Um dia cansamos daquilo e voltamos pra cidade”.
Desde que chegou a Patos de Minas, Fernando Kitzinger Dannemann se destacou pela educação esmerada que recebeu nas duas escolas de sua cidade natal e na Aeronáutica. Com o dom da escrita não perdeu tempo em produzir contos humorísticos. Criou uma cidadezinha fictícia chamada Perequitinho Verde e personagens engraçadíssimos. Mas esclarece para não gerar dúvidas: “Toda e qualquer semelhança com Patos de Minas e alguns de seus habitantes é mera coincidência”. Chegou a publicar vários contos que caíram no gosto do povo.
Passados quase quarenta anos de sua primeira experiência jornalística com a “Tribuna de Patos”, eis que em 1996 a vocação aflorou novamente com “O Tablóide” (lançado em 1.º de maio). Assim como seus contos humorísticos, o semanário caiu no gosto do patense. Pena que durou pouco mais de dois anos. Uma Isquemia Cerebral quase o levou para sempre do mundo dos vivos, obrigando-o a encerrar as atividades do jornal.
Pouco depois, com a saúde em dia, Fernando voltou a escrever seus contos (hoje já são mais de duzentos), publicando-os num site do ramo. Não demorou muito começou a pesquisar sobre diversos assuntos e também publicá-los. Até que o espaço ficou pequeno para tanto material. Aí ele criou o seu próprio espaço virtual, o EFECADE, onde o leitor tem uma grande variedade de assuntos para pesquisas (são mais de 2300 textos). Com muita dificuldade em andar, hoje ele tem como lazer criar artigos e publicá-los em seu site. Mas, junto com a esposa Alda, o que mais aprecia é a convivência com seus seis filhos (Eitel, Solange, Sônia, Maria de Fátima, Tânia e Fernando Jr.), seus 14 netos e 05 bisnetos, sendo que mais um está a caminho. Sobre a sua parceira de vários anos ele comenta: “Eu e a Alda vamos completar 60 anos de casados. Ela é minha companheira, meu escudo, sempre esteve ao meu lado, me apoiando, principalmente nos momentos ruins da vida, que, graças, foram muito poucos”.
“Dizem que pessoas na minha idade passam o tempo recordando a vida. Que seja! Eu realmente gosto de relembrar minha vida. Nunca esqueço o dia em que conheci a Alda. Por isso afirmo que o destino me trouxe a esta cidade porque eu tinha ‘um encontro marcado’. Lembro sempre dos amigos do futebol e fora dele… muitos, mas a maioria, infelizmente já se foi. Que saudade dos companheiros das inúmeras pescadas, de quando o Caiçaras foi fundado e eu participei da primeira diretoria. Faz pouco tempo mas já sinto uma falta danada da minha sogra D. Nila que faleceu em 2014, sempre foi minha amiga… são muitas lembranças boas… esta cidade foi uma benção para mim.”
Aos 83 anos de idade, Fernando Kitzinger Dannemann é mais um exemplo daqueles forasteiros que adotaram Patos de Minas como sua cidade. E Patos de Minas, em agradecimento ao que ele fez pela terra, também lhe adotou com o título de Cidadão Patense, concedido em 25 de novembro de 1999.
NOTA: Fernando Kitzinger Dannemann faleceu em 26 de junho de 2022.
* 1: Leia “Capa do 1.º Número do Jornal ‘Tribuna de Patos’ – 1.ª Fase” e “Capa do 1.º Número do Jornal ‘Tribuna de Patos’ – 2.ª Fase”.
* 2: Leia “Terra da Fome e da Miséria”.
* Texto e fotos (18/09/2015): Eitel Teixeira Dannemann.