As escolas com ensino oficializado, desde a emancipação do município em 1868, até a década de 40 do século 20, não eram em número suficiente para atender a demanda da população em idade escolar. Essa deficiência educacional fizeram dos mestres-escolas os embriões da educação, tanto urbana quanto rural. Esses primeiros educadores ensinavam a ler, a escrever e a fazer contas e, às vezes, utilizavam livros e manuscritos que serviam como instrumentos para auxiliar e avaliar o aprendizado. Os mestres-escolas eram os representantes do conhecimento intelectual que saíam a caminhar como andarilhos no meio rural a pedido e remunerados por aqueles proprietários rurais que tinham melhor situação financeira. Esses educadores anônimos representavam uma realidade não contabilizada numericamente; ausentes, portanto, do conhecimento dos órgãos públicos educacionais.
Abnegados, raros entre eles os plenamente capazes. Chegavam às povoações ou às fazendas de maior número de agregados, faziam um trato com os grandes do lugarejo ou com os fazendeiros, dando inicio ao ensino das primeiras letras. Apesar de suas limitações e o pouco conhecimento em razão de não terem muitas vezes nem concluído a educação primária, esses mestres-escolas tiveram sua importância histórica na redução do analfabetismo durante o século 19 e até meados do século subsequente, levando a instrução das primeiras letras aos lugares mais distantes. A viabilização desse ensino rural contava com a iniciativa do proprietário de terras que contratava o mestre-escola, a princípio, para sua prole. Porém, o proprietário acabava cedendo-o aos filhos dos compadres, agregados, meeiros e conhecidos da região, mediante pagamento em dinheiro, prestação de serviços braçais, ou, ainda, custeando as despesas relacionadas ao trabalho deles. Em algumas situações, os alunos teriam que deixar de ir à escola por um determinado período do mês a fim de executar algum trabalho que possibilitasse o pagamento da própria despesa contraída junto ao professor. O mestre-escola poderia receber o pagamento, de parte ou totalidade de seus serviços, em alimentos produzidos na fazenda, tais como: farinha, toucinho, feijão, arroz, ou, até mesmo outros apetrechos que constituíam produtos para a barganha.
Geralmente o mestre-escola não permanecia muito tempo em uma mesma fazenda. Uma vez cumprida sua missão se deslocava para outra comunidade. Nas situações em que era casado e a comunidade ofertava trabalho para o cônjuge, o casal residia na fazenda do contratante. Ao casal, quando era o caso, garantia-se uma casa para morar. Porém, em outras situações, a escola funcionava na própria casa do mestre-escola, com todos os inconvenientes da época: casa coberta com capim sapê, parede de pau-a-pique, chão batido.
Em meio às dificuldades encontradas por ausência de ambiente propício para o estudo, utilizando métodos e materiais, muitas vezes precários, os mestres-escolas possibilitaram que crianças campesinas não ficassem totalmente alheias ao conhecimento e à educação. Vários desses mestres-escolas incorporados ao quadro do magistério eram habitantes das comunidades onde ensinavam; eram líderes comunitários e bastante valorizados e que tomavam frente em vários acontecimentos locais, mesmo havendo, entre eles, alguns com limitações já que não eram devidamente preparados para esse ofício. A limitação desses mestres-escolas não impedia, contudo, que sua atuação em sala de aula fosse exemplar, que atuassem como elemento de ligação entre a comunidade e a escola, que rompessem barreiras e enfrentassem desafios.
Dentre várias barreiras e desafios encontrados por esses mestres-escolas destacam-se, dentre outros, a ausência de material didático, eletricidade, água, serviço de transporte, salário digno. Mesmo assim, muito desses professores ficaram a cargo dessa função até se aposentarem, em razão da inexistência de professores habilitados que os substituíssem. As classes dirigidas por eles eram constituídas por alunos de todas as idades. Os cânticos faziam parte da prática diária do ensino de várias disciplinas. Nesse sentido, observava-se um fato habitualmente curioso quando ocorria o cântico da tabuada: a algazarra era generalizada, todos cantavam a um só tempo e mesmo o aluno que ainda não sabia ler, aprendia a tabuada de cor. A tabuada era uma árdua tarefa a ser cumprida diariamente, a alegria estava só no momento do canto quando toda a classe participava. Assim, era a rotina: um mais um é igual a dois, um mais dois é igual a três, um mais três é igual a quatro, e, assim, por diante. Notava-se que as tabuadas de subtrair e somar eram mais fáceis, sendo as mais difíceis as de multiplicar e dividir, principalmente, quando se acrescentava os “noves fora”.
Os mestres-escolas adotavam livros que eram adquiridos conforme a disponibilidade de recursos financeiros das famílias. Estes eram usados de acordo com o tempo de escolaridade e conhecimento adquirido. A assimilação do conhecimento nem sempre dependia do esforço do aluno ou do mestre-escola, considerando que o método adotado consistia em decorar as regras gramaticais, os nomes dos presidentes do Brasil, os rios brasileiros mais importantes com seus respectivos afluentes da margem direita e esquerda, sem haver, contudo, nenhuma espécie de contextualização que pudesse aproximar as matérias repassadas à realidade dos alunos campesinos. Porém, cada aluno aprendia conforme fosse dominando os conteúdos repassados. Os alunos eram classificados como inteligentes e não inteligentes pela capacidade que tinham de memorizar ou não a matéria repassada. Por não terem formação específica para o magistério, aos mestres-escolas muitas vezes não importava se o aluno apreendia ou não as matérias, se eram ou não úteis à sua vida; importava, sobretudo, se o aluno soubesse de cor o que ensinavam.
Em se tratando de métodos utilizados pelos mestres-escolas, importa ressaltar o papel de dois objetos condutores da disciplina em sala de aula: a licença e a palmatória. A licença era habitualmente utilizada pelo aluno para que pudesse fazer suas necessidades fisiológicas no mato mais próximo. O objeto ficava em cima da mesa do mestre-escola e o aluno só saía da sala se o professor assim permitisse. Enquanto a licença não voltasse para a mesa do professor ninguém mais estava autorizado a sair. Por sua vez, a palmatória era comumente utilizada nos anos oitocentistas a fim de castigar e punir os alunos transgressores da ordem e como recurso para garantir a aprendizagem. Dessa forma, mesmo proibida pela Lei Geral do Ensino de 1827, os mestres-escolas continuaram usando esse objeto para disciplinar o comportamento dos alunos. Posteriormente, regulamentou-se a reutilização da palmatória: os Regulamentos de 1835 e 1836 reintroduziram-na nas escolas, o primeiro dosando as palmatórias a “seis bolos” e o segundo recomendando “uso moderado”. A par do recurso da palmatória, rotineiramente aplicavam-se castigos corporais não previstos em lei, tais como: vergastadas com varas de marmelo, com réguas e até o suplício das pontas de lápis aplicadas às cabeças infantis.
A palmatória foi muito usada até meados do século 20, quando se punia com certa quantia de bolos os alunos que não fizessem as lições diárias ou descumprissem as normas estabelecidas pelo professor. E, dessa forma, muitos alunos temerosos da punição e procurando evitá-la, aprendiam a ler, a escrever e a fazer contas. As ameaças eram constantes e as consequências do excesso de bolos poderiam levar ao inchaço das mãos de alguns alunos. Àqueles alunos com mais dificuldade de aprender, cabiam, consequentemente, mais bolos. Muitas vezes o professor fazia um furo no centro da parte oval da concha da palmatória fazendo com que esse furo chupasse o sangue da mão do aluno provocando, dessa forma, uma dor bem mais acentuada.
Nas décadas de 1930 e 1940, o atraso quanto aos estabelecimentos de escolas rurais era tanto que a adoção dos mestres-escolas foi, realmente, a única alternativa encontrada. Dezenas deles estavam espalhados por todo o município. Nesse mesmo período são edificadas quatro escolas estaduais: uma delas, na cidade, a Escola Estadual Professor Antônio Dias Maciel e as outras três nos distritos de Presidente Olegário, Lagoa Formosa e Santana de Patos. Porém, a falta de recursos e ainda a necessidade de recolher 10% das rendas anuais do Município para o Fundo Escolar Estadual, conforme dispunha o Decreto nº 10.641, de 28 de dezembro de 1932, fez com que praticamente inexistissem escolas municipais rurais em funcionamento. Contudo, em meados do século 20, os mestres-escolas começaram a perder prestígio junto ao povo campesino e passaram a ser vistos como um problema, uma vez que as edificações de prédios escolares municipais começaram a surgir, tornando uma realidade local.
Foi quando a população campesina passou a contar com ensino institucionalizado e pago pelo Poder Público. A partir de então, uma comunidade rural, sem escola, passou a significar ausência de progresso e, necessariamente, precisaria se modernizar. Dessa forma, não mais justificaria a presença do mestre-escola no campo. Nesse período, o êxodo rural já havia dispersado parte significativa das famílias de maior poder aquisitivo das áreas campesinas que iam para as cidades em busca de uma educação mais primorosa para seus filhos. Ressalta-se, contudo, que os mestres-escolas foram responsáveis, na maioria das vezes, pelo único sistema educacional existente no meio rural.
* Fonte: Escolas Municipais Rurais de Patos de Minas-MG (1941 – 1998): Da Expansão à Nucleação, de Humberto Corrêa dos Santos. Dissertação aprovada em 20/12/2012 pelo Programa de Mestrado em Educação, da Universidade de Uberaba–UNIUBE, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa I–Desenvolvimento Profissional e Trabalho Docente. Orientador: Prof. Dr. José Carlos Souza Araújo.
* Foto 1: O Mestre-Escola (Adriaen van Ostade/1662), de Pt.wikipédia.org.
* Foto 2: Mestre-Escola (Jan Steen Havickszoon/1665), de Pt.wahooart.com.