MANSARGA DAS AGONIAS QUE NUM PASSE DE CABEÇA E UM GOL DE LETRA VIROU (O BORDEL DAS ALELUIAS), A

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O nariz do Mercholino passa a vida rente aos mijos de cachorro pelas calçadas da amargura. Tantas vezes passa horas e horas a remoer sobre seus medos de ficar apavorado e eventualmente fica apavorado com a simples menção do tema Solidão. E nem precisa ser dessas superlativas, deprê-datórias, com bafo de naftalina e tosse pneumocócica renitente, adepta de sertanejas universitárias de inspiração cornutas, melosas e com vibrato nasalar de cantor goiano. Uma tragédia. Sófocles se torce de invídia nas catacumbas da insignificância. Em verdade, qualquer titica de solidãozinha o deixa alucinado de horror. Tem alergia dessas solidões solícitas que andam por aí emperiquitadas em legs fosforescentes, pan-cakes e blush e batons sabor desilusão. Morreria se uma dessas, insidiosa, fingindo provisórios, mas de baú, periquito e nécessaire se instale, mal dos pecados, dentro de sua mansarda bucólica, de design rococó europeu, decorada com alegorias do carnaval de Veneza e seus fantasmas usocapientes, de tradição e familiares, íntimos até. Esses, um parágrafo à parte.

Além do fino trato, o hábito, a convivência pacífica, acabou por fazê-los seus diletos inquilinos, quais sejam: Dois piratas, um inglês, Sir Francis Brake enforcado como queima de arquivo em Tortuga em l856, o outro nacional, morto de assombro quando ao piratear o Voodoo Lounge dos Stones sem querer topou o fígado do Keith Richard vomitando no camarim e ploft!, caiu duro; a Bi-Sex, Mademoiselle Marie-Claire de Sacrè-Corpe-deux-Cubitot, a mais famosa e bela Bi-sex da época, habituê do Convento Carmina Burana atendia Delivery Monsenhoras e Monsenhores e foi assassinada no Reality Fogueira das Vaidades à direita de Joana D’Arc em Rouem em Maio de 1431; seu Cáften,o áulico Giramoney Fifth-Percent d’Agyòtá morto em decorrência de estupro sistêmico na masmorra dos Bórgia condenado por prática de vilezas tão vis quanto as vis vilezas  de Alexandre VI, Papa e papa-todas que o diga Vanozza dei Caltaneis, a papinha principal do Papão; as roqueiras Lee e Dee, anos 1960, de Laquê e Maiôs Catalina; uma meia dúzia de ectoplasmas pudicos, repetitivos e chatíssimos, egressos das sobras de  material não aproveitado do filme Nosso Lar e fechando o grupo, Luis Tição, um ex-morador de rua incendiado numa madruga de ecstasyada Rave na Esplanada dos Ministérios por Bad Boys (filhos bastardos de Brasília com Barnabés), língua mordaz, cínico, cético e doidão, o tempo todo peladão, tocando nas partes e reclamando do calor. Mercholino se dá por satisfeito com essa troupe e em suas conversas deixa sempre claro que não quer mais ninguém a lhe estorvar a maturidade. Sabe-se hoje que o Só que é só desde sempre não é um Solitário, é um Mal acostumado. Solidão é abandono, Solitário o abandonado. Solidão assusta porque a contrapartida são grilhões da lembrança, sedes medonhas do desejo, o tesão espremendo a garganta do coração. Solidão é cama oca de sonhos. Solitário é jantar sozinho. Já dizia Fedro: mínima de malis! Pois que muito do bem, Excelência, responda rápido: Qual? Morrer na pontica duma merdica duma balica 9mm ou Finar-se no Superlativo de um Ribombo duma Descarga de Escopeta 12 na Caixa de Ressonância Pleural? É isso aí, cachorro que enjeita lingüiça, pau nele!

Diz o bom conselho que a esperança é a última que morre e a primeira que mata, por isso, diligente, confere todos os dias os jornais classificados para se certificar que a sessão de aluguéis ainda não trouxe um box expondo seu pratrimônio à sanha locatícia. Ou mesmo um anúnciozinho de Quartos em Locação para estudantes em franco vestibular ou garotas de vestíbulo franqueado. Pode parecer absurdo, mas o fato é que o Demerval Off-Set, dono do tablóide de classificados, um genérico do Tim-Tim, é um sujeito pra lá de chegado numa brincadeira de mau-gosto e costuma usar as armas que tem para aporrinhar a paciência dos conterrâneos. E temos que convir que o Mercholino Angustura de Abantesmo Penado, veterinário de gentes, Doutor de Animais e seu palacete assombrado são pratos cheios para esse tipo de pilhéria. Mas vamos poupá-lo de outros mirabolantes e sem-noção que já lhe bastam os atuais vizinhos para entupir-lhe os penduricalhos, loucos que são e quase sempre aos berros e, não raro, lá pelos desvãos da noite atrás de injeções de glicose, cachaça de rolha, vermífugos, uma caneca de arroz cozido, lubrificantes íntimos, sachê de estricnina ou uma cuia de banha de jabuti, santa medicina para edemas de língua cascavelina e escaras crônicas de glúteos moles. Quais sejam:

No barraco à esquerda o Ferdinand Milagros D’Alvear, espanhol da Catalunha, com jeitão de cientista mal alimentado e sem sol que afirma em seus palpites diários, entre perdigotos e impropérios: a idade da pedra acabou por absoluta falta de pedras! E, de facto, o último calhau que se tem notícia e registro foi um de aproximadamente 15x15cm, em forma de machadinha, que lhe abriu um rego na vanguarda da cabeça de avestruz-de-bigodes, por onde, desde então, mina uma gosminha verdegosa que, segundo ele, tem catinga de cerúmen e paladar de rúcula, proteína pura. E acrescenta cretino: – Tudo depende de como se executa a receita. As glotas ferinas da rua dizem que é mofo azedo que lhe brota dos miolos encharcados anarquismo católico e trotskismo de grife. Solícito, a pedidos de Sir Alexander Fleming conserva aquela meleca em lâminas de vidro onde crescem uns cabelinhos foscos e movediços. Para o bem da humanidade, diz ele.

Defronte, numa meiágua pintada de vermelho coagulado, telhas de amianto ondulado, sem forro, fincada no fundo do lote e em cuja frente pragueiam centenas de Comigo-ninguém-pode e nos muros, lúgubrecendo o ambiente e assustando a vizinhança, heras. Nessa caverna de alvenaria se consome Luzcara Minguás de A’xé, mameluca aculturada nos terreiros da Bahia, de arredios modos sociais e olhos invasivos e persecutórios a ponto de devassar janelas, penetrar lençóis, desnudar banheiros, armários de cozinha e com toda certeza, a paciência dos outros. Estava em tudo sem estar em nada, uma mítica deidade da bisbilhotice, da picuinha. Tudo nela lembra insídias, sorrateirice. De profissão Vidente com especialização em desatar nós Górdio, nós de Marinheiro, nós-nas-tripas e nós de cachorros atados em pleno exercício do amor livre nas ruas da City. Por uma questão de lógica empresarial trabalha em parceria com outra senhora que também se dedica à desatação de nós em geral, numa alegre e produtiva divisão de clientes: quando a agenda de uma lota e a outra pinga, dividem as atenções e a féria. Conchavo assaz vantajoso. E secreto, aliás. Espúrio, caso queiram.

No exato em frente à mansarda habita Abdênago Nudy de Palavreios, analfa funcional que teve seus estudos interrompidos no exato dia em que um Holerite, tipo Rescisão, chegou à casa de sua família e escarneceu do seu pai: E aí, Patrão, vendo a banda passar? Nesse dia o velho disparou a sorver cana e a velha disparou a dar e a velha dava em troca de um troco que trocava por trecos para o traste traçar até que velha travou de velha e teve que quetarofacho o que a fez desembestar também a libar e não se sabe como conseguiam tanta liba pra libar até que um dia, de tanto prelibar e prolibar e delibar, pós-libaram suas almas com um fogaréu de tal forma fogoso que o fogo foi tanto que a fumaça esfumou os dois pela chaminé do tempo. Vuff! A família acha que foi o Abdênago, na época assalariado como criado-mudo num bordel de Luxo e que com as gorjetas comprava o metanol. A Polícia não acha nada. Agora, quanto a quem acendeu o fósforo, são outros bebuns. A família acha que não foi ele, o Abdênago, que é do bem; já a Polícia, embora achando outra coisa, reconheceu o bem feito, queimou o arquivo. Hoje, o Palavreios só sabe duas palavras de uso prosaico e aprendeu-as no escritório de advocacia onde faz bico de luminária na sala de espera: uma é Data a outra é Vênia. Dos tempos de criado mudo não trouxe palavras, só gemidos e abalos sísmicos. Todos o amam por considerá-lo um sujeito discreto. Décadas de silêncio endossam essa tese e esse currículo o capacita como Auditor, Confessor e Confidente Oficial das adjacências. Está decorando o Confiteor.

No bangalô à direita, James Keen Arias, ex-operário da Mina de Morro Velho, metido a inglês como os patrões e por isso tinge o cabelo de ruivo, pinta sardas pela cara e vive em vitalícia carraspana de gim-tônica que o deixa vermelho feito um Hooligan e quase invisível de tão magro, já que quase nunca se alimenta. Apregoa que foi militar subalterno nas Malvinas sob o comando de Margareth Thatcher, a dama de ferro que enferrujou os miolos, coitada, coitado, saudosista, passa os dias batendo continência para qualquer mulher com mais de 100 anos e sonha um mundo de governos ginecocratas e casamentos poliândricos. Declara-se Enrustido e, como Augusto Matraga espera sua hora e vez, sente saudades do Glauber Rocha e não sai da barra da saia de Mademoiselle Marie-Claire em constantes trocas de figurinhas de posturas sexuais e figuras de retórica como o Palácio do Eliseu ou a Downing Street, Número 10.

Pelos fundos a Mansarda é cercada por um fosso de Muddy Waters com dois jacarés de papo-amarelo, uma Sucuri desdentada, alguns sapos-cururus e uma lesma de estimação já velhinha, coitada, mas ainda dá um belo dum escargot de hors-d’oeuvre.  Rente ao fosso, limitando o lote, um muro de 5,3 metros de altura, cerca elétrica e duas torres de observação, numa choca um casal de urubus, noutra ratos. Por ali nada entra e como o não gira e a carniça impera!

Até que o momento exigiu radicalismo de Mercholino para podar a agonia desenfreada que lhe tomava o tempo com agruras: nada entra, nada sai, e daí? E daí que a vida não é por ai, parado é poste, gente brilha, gente vai. Há que vazar cabaços, abolir preconceitos, desqualificar preconceituosos, expor-se a pedras, abrir miolos, puxar a cordinha e girar essa piorra de mundo. E verbou na lª Pessoa: Se for preciso comer infernos para beber loucuras, como; se tenho que zerar nostalgias para obter um riso, zero; se cumprir desatinos e outros suicídiozinhos me fizerem um namorado sem equívocos, cumpro! O eterno é pouco e lento, quero mais é a confusa dinâmica de enfiar o dedo no último zero do infinito.

Grave, ligou todos os watts da casa, ordenou que todos os fantasmas vestissem azul marinho e se fizessem visíveis. Então, Mercholino foi ao espelho no hall de entrada e ao se olhar deu de cara com um imenso e risonho Denominador Comum, sensato, olhos vivos, francos e sinceros que o convenceram que descoragens são bobagens que não levam a nada e audácias são vantagens que a gente leva na bagagem de mão pela vida afora com satisfação, mesmo pagando alto pelo excesso de peso. Até porque essas aeronaves que voam mambembes pelo espaço aéreo das tristezas, prometendo mundos e fundos, não são tão belonaves assim como rezam as publicidades apregoadas nas feiras livres e nos púlpitos televisivos. E mais, ensinou o Denominador Comum:

– Mercholino, arreda dessa vida, pardal! Acabe com cercas e jacarés, abra teu menu à visitação pública, te embriague com o novismo que vem na trilha dos que chegam, aprenda outros mundos pela boca farta das novas urgências e depois, cara, solte barquinhos de papel nas lágrimas da tua felicidade ou pipas no destrambelhado vendaval das tuas gargalhadas!

Dito e feito. Mercholino arreganhou-se para o mundo e mandou rolar. Se a solidão vier com tacapes de agonia e mau-humor, com agressões de deixar os catetos da hipotenusa genuflexos de sustos e terrores, foda-se ela: estava safo no Jiu-Jitsu das Almas Vivas, no Vale Tudo dos Corações Libertos e na Capoeira dos Medos Controlados. Outro dia mesmo estavam todos, vizinhos, agregados, passantes, artistas, Lady Gaga, Bono Vox e o Orkut inteiro, sapecando umas chuletas&cupins nos jardins do casarão, aliás, convescotes que viraram hábito diário para trocas de energias e manutenção do papo em dia entre eles, quando apareceu um bebaço bronco que perguntou aos gritos de quem caça guerras:

– E aí, Museu, é vero que céu de bêbado não tem dono?

Na maior das calmas, Mercholino consultou seus convivas com um olhar complacente e com a claque rindo à farta, respondeu bonachão:

– Shi! Parvo, cala teu litro e vá beber tua carência noutra saudade, Malamado!

Apenas quando a necessidade é maior que o mundo, Mercholino, sábio, se satisfaz com o sofá, se confessa com a televisão e se penitencia cantando gracias a la vida que me hay dado tanto lugar comum, tanta praxe, tanta insignificância. Ah! E que instigante e prazerentas são as reuniões no quintal da Lua Cheia para versar a memória em antigas piadas do Bocage, voar exóticas viagens ao interior da palavra ‘Rubor’ e relaxar na captura de molecas gargalhadas fugidias.

– Conta aquela do Luizinho de Arapiraca aí…

Era o Totonho Thisisthequestion, Psico-terapeuta de Grupo, Assistente de Direção Teatral e Teórico do Almativismo Salutar como Opção ao Corporativismo Safado, quebrando o gelo da moçada.

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