O marido Francelino (50 anos) e a esposa Madalena (48 anos) estavam à mesa contígua à sala de estar saboreando o café da tarde. No sofá, a filha Jacira (20 anos) no tradicional da juventude de hoje: agarrada ao celular alheia a tudo o que acontece ao seu redor. Eis que chega a outra filha do casal, Jussara (14 anos), com lágrimas nos olhos e clamando aos céus:
– Não, isso não poderia ter acontecido comigo, não sou mais virgem, agora sou uma vaca.
Dito, a garota passou ligeira pelos três e se fechou no quarto. Pai e mãe se olharam assustados com a revelação, sem acreditar no que acabaram de ouvir. A irmã, cada vez mais com os olhos atolados no celular, nem percebeu a chegada da mana. Foi o pai o primeiro a se manifestar:
– Pelamordedeus, isso não, onde erramos, ela estuda no Colégio Marista, sempre a tivemos perto de nós, somos uma família católica, lhe demos uma boa educação, não, isso não, não pode ser.
Francelino abaixou a cabeça, parecendo chorar com o choque da revelação. Madalena suspirou antes de dizer:
– É, marido, está aí a prova de que, por mais educação e orientação que a gente passa aos filhos, lá fora as influências são muito mais fortes do que as nossas.
Francelino, sem esconder as lágrimas, disse apontando para a Jacira:
– Se a nossa garotinha já caiu na vida, sabe-se lá o que aquela lá já deve ter aprontado sem a gente saber.
Madalena, tristemente, olhou para a filha que, quase entrando dentro do celular, não tinha a mínima noção do que estava rolando no ambiente em sua volta. Serenamente, levantou-se, foi ao quarto e da porta chamou a Jussara. Esta veio e sentou-se à mesa com os pais. Soluçando, com a face umedecida pelas lágrimas, parecendo estar viajando por inúmeras galáxias, encarou os dois que estavam esperando ansiosamente uma explicação do porquê uma garota que recebera tão firme educação tinha sucumbido aos pecados mundanos. Enquanto Francelino, de cabeça baixa, teimava em não acreditar naquela tragédia, Madalena, com o todo o carinho de mãe, segurou as duas mãos da filha e perguntou:
– Diga-nos filha, porque isso foi acontecer?
Jussara encarou os pais, começou a chorar e entre soluços explicou:
– Mãe, a professora já tinha decidido e eu estava muito feliz, aí veio a diretora e resolveu atender um pedido dos pais de uma colega, só porque ele é rico, aí então ela resolveu mexer no presépio que a gente ia representar no Natal. Mãe, pai, eu esperei o ano todo e agora não vou mais ser a Virgem Maria, e sim a vaca, não, a diretora não poderia ter feito isso comigo, é injustiça!
Ufa, foi a reação de alívio dos pais. A Jacira? Continuou se fundindo com o celular!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 01/02/2013 com o título “Casa do Hugo – 1”.