1.ª FESTA ANUAL DO TRIGO: COMO FOI − 2/3

Postado por e arquivado em HISTÓRIA.

Reunidos todos os convidados sob o pomar da Cascata − a cujas sombras se sentaram, juntos, como relembrando os tempos em que alí brincavam, quando era alí o solar de sua tradicional Família, os senhores Farneze, Amadeu, Osório e Edmundo Dias Maciel − a Moinhos Minas Gerais S/A, a Companhia de Trigo Nacional e o dr. Moacir Viana de Novais ofereceram a todos movimentado churrasco, animado tambem pela presença buliçosa das alunas da Escola Normal e pelos alunos do Ginàsio. Os visitantes, mais do que os outros, fizeram frequentes referencias ao pão servido − cem quilos de pão de trigo alí mesmo colhido e moido nos moinhos daquelas empresas em Patos. Foi uma festa de alegria e de confraternização, por meio da qual os drs. Luis Amaral, Joaquim Magalhães Loureiro e Moacir Viana de Novais quizeram retribuir gentilezas e estabelecer mais intimo contato entre a população patense e a triticultura. Durante ela, o presidente da Moinhos pronunciou este discurso:

Apresentação de Patos

“Peço vênia para apresentar Patos e a região patense aos visitantes de hoje.

A estes, devo ponderar que não sou daqui. Nesta terra, tão bem aquinhoada de valores humanos, não tendo ambições, nem aspirações, nem veleidades locais. Aqui estou em virtude de mandato eletivo, que não pleteei, que não prézo, e que me pode ser revocado a qualquer momento, com o meu regresso ao meu ambiente consuetudinàrio, e a minha profissão. Deste modo, senhores visitantes, em minhas palavras não deveis vislumbrar suspeição alguma, alem daquela possivel de encontrar-se na voz de todo brasileiro que fala de um dos mais abençoados rincões do Brasil.

Este è, efetivamente, um dos mais abençoados rincões do Brasil. A terra é mesmo dadivosa e bôa. Quanto á agricultura, verificareis pessoalmente sua uberdade, pois não tenho encontrado fora quem acredite nas informações exatas dadas sobre seu rendimento, de tal modo ele excede o estalão das melhores terras brasílicas, que se trate da roxa paulista, quer das humosas paranaenses. Aqui se podem realizar culturas durante anos sucessivos nos mesmos tratos, sem a pratica da doutrina de restituição. Patos é o maior cerealífero de Minas Gerais.

Quanto á pecuária, muitos de vòs procedeis do maravilhoso Triângulo Mineiro; sabeis que a metade da raça entra pela boca. Sabendo tambem que nossas pastagens são riquíssimas em calcio e fòsforo, deduzireis que a região patense è privilegiada para a criação de gados finos, que se beneficiam aqui de inacreditavel precocidade, não conhecem epizootias e contam, para as rações complementares, com os subprodutos do arroz, do trigo e do algodão, aqui mesmo produzidos em larga escala.

Essa generosidade da terra patense resulta da kimberlita¹, de que nenhuma outra neste país se beneficia. Alem disso, a acidentação suave da zona facilita a diversidade das culturas. Para algumas destas, não ha região igual no mundo. O arroz, o feijão e o milho escandalizam pelo rendimento. A cana de açucar è exorbitante. Na palavra do grande Azzi, aqui è a pátria de adoção do trigo, aquela que o “nobre cereal” elegerá um dia como sua predileta entre as demais de todo o mundo. Afirmação igual, quanto á criação de gados finos, poderá ser feita pouco tempo depois de fundado, para zelar pelo assunto, o sindicato idealizado por um grupo de patenses de escol².

Mas, senhores visitantes; havendo entre vòs, procedentes de São Paulo, homens de negòcios, representantes de capitalistas propensos a canalizar para cá novos contingentes financeiros devo acrescentar a estas cousas, que vòs mesmos percebereis em poucos dias, algo mais, exigidor de convivência para ser apreendido.

Nem só, nem principalmente das peculiaridades da terra decorre a privilegiada condição regional patense. Deflue, igualmente, do valor do Homem − e esse elevado valor è outra remarcada caracterìstica daqui. O caboclo dessa zona possue conjunto de qualidades que eu, andejo por natureza e observador por profissão, jamais vislumbrei em nenhum outro. E’ susceptivel de tudo aprender, como aqui mesmo observou o grande Saint-Hilaire, hà cento e vinte e tantos anos³. Tem capacidade de idealismo e de entusiasmos. Consegue a cousa incrivel de, bem orientado, abandonar da noite para o dia seculares pràticas rotineiras. Honesto nas menores cousas. Extremamente dedicado. Pacífico e ordeiro.

Lideram a vida social e economica da região, numerosas familias de elite, tradicionais, cheias de responsabilidades quanto ao destino da terra, zelosas na manutenção do nivel alto em que seus antepassados situaram esta sociedade.

A parte administrativa está nas mãos de pupilo de homens de seleção. Em Patos, temos o nosso Frontin, que, nesta fase quando tudo é dificìlimo, mete hombros á obra fundamental de aduzir novos provisionamentos de energia eletrica − base da solução de quase todos os problemas importantes do municipio e da cidade. Em Presidente Olegario, temos um jovem Oswaldo Cruz, que saneia e remodela instantaneamente o antigo burgo há pouco erigido em sede municipal.

O ensino publico e particular assenta-se em bases amplas, com grupos, escolas isoladas, escola normal e ginásio, tudo entregue a competentes e esforçados diretores a excepcional supervisor.

A assistencia propiciada pelo Estado, através da Secretaria de Agricultura, deve constituir exceção nos serviços públicos, de tal modo è pronta, solicita, completa: de tal modo seus chefes são competentes e dedicados.

E’ apreciavel a rede bancária que nos serve, dirigida por funcionàrios possuidores da verdadeira noção do papel dos bancos no desenvolvimento economico das zonas rurais − cumprindo acentuar que o Banco do Brasil, superiormente gerido aqui, por si sò desempenha todo o papel dos estabelecimentos de crédito rural centralizadores do movimento agricola dos países bem organizados, e o faz cabalmente.

Temos ainda a acentuar que, como ireis ver esta tarde, o Ministèrio da Agricultura ultima aqui perto o aparelhamento de modernìssima Estação Experimental de Trigo, que jà hoje vale proveitosíssima  visita, e que de ora em diante será mais um poderoso apoio aos triticultores.

Se devo dizer mais alguma cousa neste rápido esquisso do que è Patos e a região de que é Capital, acentuarei que mesmo o fisco é simpático; se, em virtude de sua propria natureza, não pode aparar as unhas, pelo menos usa-as muito polidas…

Agora, agradecimentos a todos quantos nos deram a honra de comparecer a esta festinha, com que visamos diretamente a sociedade local, Patos passa a ser a Mecca do trigo. No dia 18 aí estará o Diretor-Geral do Departamento de Imprensa e Propaganda, com seu aparelhamento cinematografico e telegráfico, a funcionarem na propaganda de Patos. Virão sempre visitantes, virão interessados. E’, pois, necessàrio que encontrem ambiente, que a população local esteja alistada integralmente na campanha iniciada pelo senhor presidente Vargas em prol da triticultura. Se não devêssemos agradecimentos a gentilezas, esta circunstancia justificaria sosinha o convite, tão belamente atendido.

Quer, porem, aos visitantes, quer à sociedade local, preciso se faz esclarecer não estarmos dando barretada com chapeu alheio. O sentido da Festa do Trigo no corrente ano, è este: patentear a vossos olhos o empolgante, os insofismaveis resultados de anos e anos de labor do Estado, o dr. Moacir Viana de Morais, provando mesmo aos mais incrèdulos as possibilidades tècnicas da triticultura aqui. Ele vos mostrou, nos canteiros de genètica, todas as pragas peculiares ao trigo no Brasil; em vão procurareis uma nos trigais, ao lado. Ele vos provou um rendimento superior a três mil quilos por hectare, em terras aproveitadas sucessivamente anos seguidos, sem compensação quìmica alguma. Qualquer pessôa, em qualquer parte do globo terrestre, que pretendesse ver cousa igual, só teria um recurso: vir a Patos, fazer o que estais fazendo − vir aqui.

Assim, provada exuberantemente a viabilidade da triticultura pelo Estado, é o momento de transportar para o terreno econômico as conclusões técnicas. E’ neste ponto que começa a atuação de Moinhos Minas Gerais e da Cia. de Trigo Nacional. Estamos lavourando terras de cultura, neste municipio e no de Presidente Olegário. Nossos acionistas adquirem aqui na Cascata a certeza de que não lhes vendemos terrenos na lua. Em prosseguimento à atenção oficial, a particular vai completar a obra, para o engrandecimento da Pátria, para orgulho desta região. Hoje, presenciais e aplaudís a vitória da técnica e homenageais o grande mago do Trigo. A partir do próximo ano, testemunhareis os resultados da dinamização dessa vitória. E estareis todos vitoriosos, porque festejareis a própria vitória do Brasil”.

* 1: Kimberlita, kimberlito ou ainda quimberlito, é uma rocha ígnea que pode conter diamantes. Na realidade, não é um tipo específico de rocha, mas sim um grupo complexo de rochas ricas em voláteis (dominante CO2), potássicas, ultramáficas híbridas com uma matriz fina e macro-cristais de olivina e outros minerais como ilmenita, granada, diopsídio, flogopita, enstatita e cromita.

* 2: Leia “Movimento dos Casca-Grossa”, “No Embalo dos Cascas Grossas”, “Cascas Grossas − Um Exemplo a Seguir”, “Sociedade Rural do Alto Paranaíba: Embrião do Sindicato dos Produtores Rurais”, “Sindicato dos Produtores Rurais”.

* 3: O botânico naturalista francês Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire (04/10/1779−03/09/1853) pertenceu aos primeiros grupos de cientistas, vindos da Europa, para realizarem pesquisas e explorações no Brasil Colônia, durante os anos de 1816 e 1822, período no qual a corte portuguesa estava instalada no país, na cidade do Rio de Janeiro. Durante os seis anos que viveu em meio a expedições, Saint-Hilaire percorreu inúmeros estados brasileiros. Entre eles, estão Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Numa de suas expedições, foi de Araxá a Paracatu, passando por terras patenses.

* Fonte: Texto publicado com o título “A Festa Anual da Safra” na edição de 22 de agosto de 1943 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto: Trecho do texto original.

Compartilhe