TRÁGICO JOGO DA URT EM 1957 – 2

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TEXTO: JOSÉ MARIA VAZ BORGES (1957)

Que vou dizer, caros leitores e patenses civilizados, sôbre os graves acontecimentos desenrolados no campo da Av. Brasil¹? Inicialmente, posso dizer-lhes que chorei de vergonha; de vergonha, por vêr na minha querida terra natal, tamanha selvageria; de vêr na terra que nos viu nascer, atos de verdadeiro sádismo, atos que muito mal recomendam a quem os praticou; atos demonstradores da embrionária formação moral e esportiva de uma parcela – que embóra não o todo, é grande – de desportistas, amantes do esporte rei, o futebol.

Os que, como nós, são forçados a dar aos seus leitores, por fôrça da profissão e circunstancias, uma opinião sincera, destituida de quaisquér partidarismos, sem côr clubistica, mesmo que tivéssemos as nossas preferências, saberiamos sobrepôr, acima das paixões, o sentido exato da inteligência e da fraternidade humana, nas horas que nos faltasse, momentaneamente, a razão, poderiamos apelar para Deus, pedindo-Lhe fôrças para conter os nossos instintos animalescos.

Aquela tarde, tarde que enxovalhou o nome esportivo de uma agremiação, que é, indiscutivelmente, uma glória de nossa terra, passará à história, não como prenúncio de continuidade dos desmandos de uma pequena parcela de homens que radicam em nosso esporte; mas sim, como clarinada altaneira de que chegou a alvorada, de que não mais poderemos presenciar tais acontecimentos, mesmo por que, aqueles que tiveram os seus nomes diretamente envolvidos no acontecimento, estão com os seus nomes no pelourinho.

A nossa sociedade, o povo civilizado, jamais perdoar-lhes-ão, pois que mancharam o nome, não sòmente de uma Agremiação, mas de uma Cidade de 80.000 habitantes; de uma coletividade que moureja de manhã à noite, construindo o nosso progresso material, mental, espiritual e social.

Nos acontecimentos do dia 23 [junho/1957], devemos no entanto, destacar alguns nomes, que se portaram à altura de suas inteligências e de sábia formação moral: Dr. Benedito Alves de Oliveira, Dr. Zama Maciel, Vitor Alves Barcelos, Euripedes Pacheco e o denodado Sargento Haroldo Batista que, enfrentando aquela malta ignára, procuraram conter as arremetidas que se faziam, contra a pessoa do árbitro da Federação Mineira de Futebol, sr. Símão Vaxman.

Mas e a torcida? Por acaso a torcida não tem deveres para com o clube? Não é a mola mestra que impulsiona para cima e para baixo uma agremiação? E que fez ela, com sua conduta sanguinária? Afundou-se um patrimônio, que homens de verdade construiram com o seu trabalho, com a sua dedicação e o seu amôr às cores alvi-celestes. Um dêsses homens, foi o saudoso Zama Alves Pereira que, se fôsse vivo, por certo desaprovaria a conduta daqueles que não souberam honrar o glorioso passado da Agremiação a que honrava, com seu nome, na qualidade de Presidente de Honra.

Ainda há pouco, quando de seu falecimento², aquela veterana entidade esportiva, pela palavra fluente do Dr. Zama Maciel, à beira de sua sepultura, prestava-lhe suas homenagens, em nome da Diretoria, de seus atletas e de seu corpo associativo. Foi uma homenagem merecida, foi uma homenagem àquele que era o guardião intemerato da moralidade e da conduta indesviavel da querida U.R.T., a que, também eu, tive a ventura de pertencer e de defender com amôr e entranhado devotamento, nos tempos idos.

Sabemos que muitos daqueles que não tiveram fôrça de vontade para fugirem aos seus instintos bestiais, estão hoje com suas consciências conturbadas, carregadas e procuram, de qualquér fórma, darem uma desculpa para os seus impensados atos.

A coisa mais desagradavel que ouvimos de diversos nossos amigos e conterraneos, foi a frase: “Dei um bruto sôco no Juiz”; ou “Dei-lhe um ponta-pé, bem na barriga”; ou mais ousadamente: “Êste ladrão merecia morrer…”. Ouvimos de um conceituado cidadão, formado: “Deixa eu agora, quero dar-lhe um sôco”, que foi, no entanto, contido pelo nosso popular “Pai Vaca” que, com o seu braço forte, o pegou pelo colarinho e o empurrou para longe. Foi, meus queridos conterraneos, o mais deprimente espetáculo que assistimos em nossa vida de homem e de jornalista!

Nós, que nos batemos, desassombradamente, mas sem valentia coletiva, pois somos um só, sem o amparo oficial de qualquer partido ou clube, sem guarda-costas e sem dinheiro, pois todos sabem das nossas dificuldades, jamais deixaríamos de escrever estas linhas, que são a mais ácre censúra àqueles que não procuram vêr no seu semelhante, um ente igual, que é, portanto, carecedor do nosso respeito.

Estas linhas, eu as escrevo com a alma de patense, com o coração de patense e, mais ainda, com o ideal alevantado para dias melhores para a nossa terra, pois que, 80 mil habitantes não podem estar à mercê de uma centena de pessoas que vivem do ódio e da paixão.

Já é tempo, meus caríssimos concidadãos, de unirmo-nos em tôrno de princípios sadios que entrelacem às familias de nossa terra, unindo-as em tôrno de causas e coisas que elevam cada vêz mais, o nosso conceito como povo ordeiro, civilizado e, antes de tudo, amante da paz e da fraternidade humana.

Que êste negro episódio do dia 23 de junho de 1957, acontecido no campo da Av. Brasil, sirva de exemplo para uma parcela de nosso povo e que, no alvorecer de dias melhores, aqueles que erraram, prostem-se genufléxos, perante o altar de suas consciências e perante o Altíssimo, pedindo-Lhe o perdão pelos seus êrros e suas mórbidas paixões.

Quanto a mim, por escrever a verdade, não irei esconder-me; ao contrário, entregarei ao meu povo, o testemunho do meu sadio idealismo, na certeza de que uma grande parcela, que não pactua com pessôas de tão má índole, saberá defender-me e, na medida de nossas forças pessoais e físicas, defenderemos até à morte, o direito de liberdade que nos assiste, como patense e como jornalista.

Não nos amofinam as ameaças, pois elas são próprias daqueles que não sabem honrar o seu lar, suas filhas e suas esposas. Que Deus os proteja de seus desvios mentais e faça com que êles trilhem o caminho do bem e da fraternidade humana, para que os seus próprios descendentes, possam viver em uma terra em que reinem a paz e a fraternidade, entre os sêres irmanados.

* 1: Leia “Trágico Jogo da URT em 1957 – 1”.

* 2: Zama Alves Pereira faleceu em 08 de junho de 1957. Leia “Casa da Família de Zama Alves Pereira”.

* Fonte: Texto publicado na coluna A Nossa Opinião com o título “Sadismo” na edição de 30 de junho de 1957 do Jornal dos Municípios, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Br.freepik.com.

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